quinta-feira, 28 de abril de 2011

Uma nova forma de acesso a materiais de saúde Hesperians online


Anunciando uma nova forma de acesso a materiais Hesperian de saúde on-line
 
Por muitos anos, Hesperian fez seus livros disponíveis para download gratuito através do site Hesperian.org .
 
Começando hoje, nós estamos adicionando novos recursos ao nosso site que irá permitir que você leia nossos livros on-line, pesquisa por palavras-chave dentro de um livro, e busca por palavras-chave em toda a nossa coleção de títulos de forma mais rápida e facilmente do que nunca. 

Essas atualizações são possíveis graças Ebrary , um Alto-baseado Palo empresa e uma importante provedora de e-books e tecnologia para bibliotecas de todo o mundo.
As novas funcionalidades são especialmente valiosos para os livros de navegação antes de baixar, em busca de nossos materiais, e ler livros on-line quando você não tem a capacidade de baixar arquivos grandes. Agora você pode usar uma busca para encontrar o conteúdo que você precisa - ao invés de olhar através de cada livro.
 
Vinte dos nossos livros, incluindo os títulos em Inglês e espanhol, estão disponíveis neste novo formato. Você pode encontrá-los através da nossa página de downloads . Nós produzimos a como-ao vídeo e instruções por escrito para ajudar você a navegar pelo novo sistema.
 

Esta é a primeira das muitas melhorias que nós estaremos fazendo para o nosso site Hesperian.org nos próximos dois meses - teremos de aumentar o acesso aos nossos materiais em outros idiomas, bem como estreando uma ferramenta de adaptação para ajudar você a fazer seus próprios cartazes , folhetos e livretos de nossos materiais.
 
Por favor, envie quaisquer comentários ou feedback para nós emhesperian@hesperian.org .

domingo, 24 de abril de 2011

LUIZ SAYÃO: O DESAFIO DA TRADUÇÃO BÍBLICA


Toda versão bíblica tem e precisa ter claro foco sobre o público a que se destina e uma linha teológica bem definida


Cada vez que um cristão brasileiro abre seu exemplar da Bíblia Sagrada, tem diante dos olhos uma bela e épica história – a da tradução das Escrituras para nosso idioma. Essa história começa ainda na Idade Média, em Portugal. Pouca gente imagina, mas a língua portuguesa está entre as pioneiras no contexto europeu. Os primeiros textos bíblicos em português apareceram antes mesmo das versões em inglês, do francês e alemão – e graças ao rei português D. Diniz (1279-1325). Com base na Vulgata Latina, o monarca traduziu até o capítulo 20 do livro de Gênesis. Apesar disso, os mais antigos registros de tradução da Bíblia na língua de Camões deixados para a posteridade são de 1495. 



Mas falar em tradução bíblica é falar em João Ferreira de Almeida. Nascido em 1628, próximo a Lisboa, Almeida fez história como o primeiro a traduzir o texto bíblico a partir das línguas originais. O Novo Testamento de Almeida foi completado em 1676, e acabou sendo publicada em 1681, na Holanda. Até morrer, o tradutor avançou pelo texto do Antigo Testamento até o livro do profeta Exequiel. E o trabalho foi completado por Jacobus op den Akker, da Batávia, em 1748. Todavia, somente cinco anos mais tarde, em 1753, é que foi impressa a primeira Bíblia completa em português. 



A célebre tradução de João Ferreira de Almeida recebeu muitas revisões nas últimas décadas e deu origem a várias versões similares. A verdade é que as novas revisões do texto o distanciam em muito do texto original de Almeida. Hoje, existem quatro versões cirrigidas: a Corrigida antiga, de 1942; a Corrigida Fiel (1994); a Corrigida 2ª edição, de 1995, e finalmente a Corrigida Juerp, lançada em 1997. Já a versão Atualizada, profunda revisão de estilo e crítica da Corrigida já tem duas versões – a primeira e a Atualizada 2ª edição, de 1997. Além disso, merecem destaque também a Versão Revisada (1967), publicada pela Imprensa Bíblica Brasileira-Juerp, e a versão Contemporânea, da Editora Vida (1990). 



Somente na década de 1970 é que muitas novas traduções da Bíblia passaram a ser publicadas. O resultado de tantos anos de profundos estudos bíblicos são uma série de versões não literais e baseadas na pesquisa exegética e lingüística mais recente. No segmento católico, surgiram as primeiras versões traduzidas a partir das línguas originais. Em 1976, foi publicada a Bíblia de Jerusalém, erudita e repleta de notas técnicas. Seis anos depois, surge a Bíblia Vozes, com uma linguagem menos vetusta, mas com boa base exegética. Mais tarde, vieram a Bíblia Pastoral (1990), com estilo mais popular e dependente da Teologia da Libertação; e a Tradução Ecumênica, de 1997, muito erudita e a mais rica em notas críticas e lingüísticas disponível em português. Mais recentemente, surgiram a Tradução da Bíblia da CNBB (2001), a Nova Bíblia de Jerusalém (2002 – uma revisão completa da antiga) e a Bíblia do Peregrino, publicada em 2002, dirigida pelo prestigiado exegeta Luis Alonzo Schökel. 



No meio protestante, foram publicadas pela Sociedade Bíblica do Brasil, a SBB, a popularíssima Bíblia na Linguagem de Hoje (1988). Suas características são uma linguagem popular e uma tradução mais flexível, mas baseada em exegese erudita e respeitada e com um enfoque teológico bem mais aberto. Depois dela, ainda veio a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (2000), ainda mais coloquial. No mesmo ano, foi publicada a Nova Versão Internacional, a NVI, pela Sociedade Bíblica Internacional. Trata-se de uma versão caracterizada por precisão técnica, linguagem atual, fluência, riqueza exegética – e foi muito apreciada por ser genuinamente evangélica em sua abordagem teológica. A NVI foi um projeto elaborado por cerca de 20 estudiosos e que durou dez anos. Finalmente, em 2008, é lançada uma revisão profunda de Almeida por um grupo de editoras evangélicas de peso: Juerp, Hagnos, Vida Nova e Atos. É a chamada versão Almeida Século 21. Trata-se de uma versão que pode ser definida por sua exatidão e fluência, sem abrir mão da tradição. 



O desafio de traduzir a Bíblia começa com a questão do texto original. É de conhecimento geral que não temos os manuscritos originais das Escrituras – mas há milhares de cópias guardadas em bibliotecas, museus e instituições religiosas de todo o mundo. Todas as traduções são feitas a partir dessas cópias. Sempre que se quer lançar uma nova tradução, épreciso um trabalho minucioso de crítica textual muito bem feito com esses manuscritos, para se obter o máximo de fidedignidade, ou, em outras palavras, chegar-se ao texto mais próximo do original. Graças a Deus, a Bíblia é um dos livros mais bem preservados da história. O resultado desse trabalho está na Biblia Hebraica Stuttgartensia, Antigo Testamento baseado no Texto Massorético,e no Novum Testamentum Graece, editado por Eberhard Nestle e Kurt Aland, ambos publicados pela Deutsche Bibelgesellschaft , a Sociedade Bíblica Alemã. O fato é que quase todas as traduções bíblicas do mundo baseiam-se principalmente nesses textos, considerados o consenso pela vasta maioria dos estudiosos da área. Apesar da grande concordância entre eles, há algumas variações entre manuscritos sinalizadas nas traduções mais críticas e contemporâneas, através de notas de rodapé. Das versões em português, somente a versão corrigida de Almeida não se utiliza do texto crítico do Novo Testamento. A diferença entre as duas versões neotestamentárias no original é de cerca de 1%, sendo que a inversão de “Jesus Cristo” para “Cristo Jesus” é a principal diferença. 



Deixando a crítica textual de lado, é preciso salientar que toda versão bíblica tem e precisa ter uma linha teológica, aspecto sobre o qual é impossível uma neutralidade absoluta. Assim, temos uma divisão clara entre versões católicas e versões protestantes. Além da inclusão, naquelas, dos chamados livros apócrifos, vamos encontrar terminologia específica nessas traduções. Em certas passagens bíblicas, as traduções protestantes usam a expressão “arrependei-vos”, enquanto que algumas traduções de inspiração romana dizem “fazei penitência”. A Bíblia de Jerusalém, por exemplo, chega a usar a palavra “óstia” em Romanos 12.1-2. Já a versão Pastoral é claramente alicerçada na Teologia da Libertação. Uma simples lida nos títulos do texto de Êxodo 4 não deixará nenhuma dúvida sobre seu enfoque marxista na leitura da passagem. A versão Almeida Corrigida costuma ser preferida por denominações pentecostais mais conservadoras, como a Congregação Cristã do Brasil e a Igreja Deus é Amor, enquanto que a Nova Tradução na Linguagem de Hoje é mais usada por grupos que adotam uma linha teológica bem mais aberta. Esse enfoque pode ser percebido em textos como Deuteronômio 32.8: “Quando o Altíssimo separou os povos e deu a cada povo as suas terras, ele marcou as fronteiras das nações, dando a cada uma o seu próprio deus.” Como se pode observar, todo trabalho de versão bíblica deve definir sobre qual linha teológica vai se embasar. 



A tarefa de tradução bíblica tem como outro grande desafio a questão semântica. Nem todos têm noção dessa realidade, mas muitas palavras do texto hebraico, aramaico e grego ainda hoje estão sendo estudadas e definidas com precisão. Mesmo que tais termos sejam minoria, em muitos casos representam difíceis problemas de tradução. O impacto das descobertas da arqueologia – como a dos Manuscritos do Mar Morto –, dos estudos de línguas como o acadiano e o ugarítico e do desenvolvimento da lingüística foram extremamente importantes para que fosse possível ter um conhecimento mais objetivo de muito vocábulos bíblicos. Os novos léxicos e dicionários teológicos técnicos, elaborados principalmente por estudiosos alemães, trazem muita informação semântica preciosa. É por essa razão que as versões mais recentes levam grande vantagem sobre as mais antigas – essas novas foram preparadas já com acesso ao resultado de descobertas e pesquisas atualizadas, que permitem a tradução mais precisa da Palavra de Deus. 



Diante disso tudo, fica a pergunta que não quer calar: qual é a melhor versão bíblica? Essa pergunta não tem resposta. Afinal, todas têm seus méritos; mas é preciso, também, que tenham um foco claro. Uma versão pode ter valor histórico, literário, teológico etc. Mas se o objetivo é comunicar a mensagem das Escrituras ao povo comum, é preciso reconhecer que a dinâmica da língua exigirá revisões do texto que o tornem compreensível e impactante. Ninguém, por exemplo, usa a versão de Almeida de 1681 nos dias de hoje – afinal, a linguagem ali usada tornou-se incompreensível para o leitor de hoje. Por outro lado, algumas traduções antigas ainda usam termos praticamente desconhecidos nos dias de hoje, como “vitupério”, “chocarrice”, “impudicícia” e tantos outros arcaísmos. Além disso, toda boa versão bíblica precisa passar por revisões de tempo em tempo, a fim de eliminar anacronismos e contemplar as mudanças de significado que muitos termos sofrem ao longo dos tempos. 



A tarefa de traduzir a Bíblia é um ministério permanente da Igreja. A comunidade cristã deve abrir seu coração e apoiar todos os esforços de tradução das Escrituras – principalmente, no caso das línguas que, em pleno século 21, ainda não possuem nenhuma versão da Palavra de Deus. 



Luiz Sayão
Teólogo, hebraísta, escritos e tradutor da Bíblia. É também professor da Faculdade Batista de São Paulo, do Seminário Servo de Cristo e professor visitante do Gordon-Conwell Seminary.




terça-feira, 19 de abril de 2011

MISSIONÁRIOS: Seis dicas sobre documentação de embarque internacional


Organização é importante
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  1. Prepare-se com antecedência. Tenha documentos em dia: passaporte com validade mínima de 6 meses. Hoje, em média, leva cerca de 40 dias para retirada do passaporte, que tem validade de 5 anos.
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    Para retirada do visto americano o agendamento somente para daqui a 4 meses, em média, validade do visto depende do tipo de visto solicitado, para turismo em geral a validade é de 5 anos. Leve sempre a xerox das duas primeiras páginas do passaporte e da página do visto (se houver). Durante a viagem guarde seus documentos originais no cofre do hotel e leve as cópias com você.
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  2. Consulte se o destino requer vacina de febre amarela, ela é recomendada para entrada em cerca de 150 países, tomar a vacina dez dias antes do embarque, é valida por dez anos.
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  3. Consulte sobre a exigência de seguro assistência no país de destino. Países pertencentes ao tratado Schengen exigem franquia para entrada e permanência em seu território. Este seguro deve ser adquirido aqui no Brasil em sua agência de viagens.
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  4. Menor desacompanhado deve portar autorização dos pais com foto e firma reconhecida, no caso de viajar acompanhada de somente um dos pais o outro deve autorizar e reconhecer firma. Em caso de óbito de um dos pais, o menor deve portar cópia do atestado de óbito para apresentar com a autorização na Polícia Federal.
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  5. Leve seu comprovante de e-ticket, nele você terá informações de horários de partida e de chegada, sempre no horário, local, duração e número do vôo, acentos marcados e refeições servidas.
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  6. Planeje sair de casa com antecedência – sempre conte com congestionamentos, para embarques internacionais recomenda-se três horas de antecedência.
Fontes: Mogi News / www moginews com.br – www uptravel com br

quinta-feira, 14 de abril de 2011

MISSÕES Por que tanta inimizade entre sunitas e xiitas?

Procissão de Aschura para comemorar o dia em que foi morto o Imã Hussein, neto de Maomé, em Karbala, Iraque. A imagem mostra um retrato de Hadrat Ali Ibn Abu Talib, genro de Maomé. (Reuters)

Por Eveline Kobler, swissinfo.ch


No Iraque, Paquistão e Bahrein fala-se frequentemente das tensões entre sunitas e xiitas. São conflitos que alimentam os fundamentalistas de ambos os grupos islâmicos, de acordo com Arnold Hottinger, ex-correspondente no Oriente Médio do jornal "Neue Zürcher Zeitung".
Autor de vários livros sobre o Islã e o mundo árabe, o jornalista explica, na entrevista a seguir, as diferenças entre xiismo e sunismo.
swissinfo.ch: Como é que a minoria sunita consegue governar a maioria xiita, por exemplo no Bahrein, país que também foi submergido pela atual onda de revoltas?
Arnold Hottinger: É uma questão de poder que resulta da história. O Bahrein tem um governo sunita e uma população majoritariamente xiita (70%). A mesma explicação vale para o caso do Iraque, cuja maioria é xiita.

O Iraque pertencia ao Império Otomano. Os turcos eram sunitas e colocavam em Bagdá governantes sunitas. Quando os ingleses tomaram o poder no Iraque, mantiveram os xiitas em uma posição inferior, promovendo os sunitas.

Mas a diferença entre xiitas e sunitas no norte da África, onde começou a onda de revoltas, não tem nada a ver com a questão. Lá vivem sunitas.

swissinfo.ch: Como surgiu a divisão dessa comunidade religiosa?
AH: No início da história do Islã havia uma disputa política para saber quem deveria liderar a comunidade muçulmana.

Os muçulmanos hoje conhecidos como xiitas, acreditavam que os descendentes biológicos do profeta Maomé deveriam liderar o Islã. E os fiéis qualificados atualmente como sunitas consideravam, por sua vez, que as pessoas mais idôneas é que deveriam comandar.

swissinfo.ch: Quer dizer que todos os imãs xiitas de hoje são descendentes do profeta Maomé?
AH: Não. Por volta do século IX já não havia nenhuma descendência biológica. Os xiitas acreditam que o último Imã foi para a eternidade e que voltará de lá. Essa ideia sugere a imagem de uma espécie de Messias, como no cristianismo. Ele vai renascer no dia do juízo final. Até lá ele é representado pelos religiosos (teólogos). Mas a religião se desenvolveu de forma diferente em cada país.

O Irã é o único estado xiita. Foi lá que surgiu a crença de que cada crente deve escolher um guia espiritual. E se um sacerdote tem muitos fieis, é chamado aiatolá.

É necessário perceber que os xiitas do Irã são muito diferentes dos árabes xiitas.

swissinfo.ch: Em que sentido?
AH: O xiismo persa se misturou muito com a religião primitiva do Zoroastrismo. Os persas, hoje iranianos, têm uma outra língua, outra história e cultura diferente.

swissinfo.ch: Como foram criados os Estados sunitas?
AH: O Estado tem um papel muito mais importante na Suna, porque os sunitas acreditavam que quem melhor poderia governar o Estado era o justo, o legítimo sucessor do profeta, que no sunismo é chamado de califa. Não é descendente de profetas, mas é o escolhido de Deus por seus êxitos políticos.

swissinfo.ch: Dá para estabelecer uma diferença geral na evolução dos xiitas e sunitas no caso, por exemplo, da secularização?
AH: Não. Ninguém pode dizer que os xiitas são mais seculares que os sunitas e vice-versa. O Irã conseguiu com a revolução de Khomeini, em 1978, dar o primeiro passo rumo a um estado teocrático. Ou seja, um Estado governado pelos teólogos (líderes religiosos). Isso foi algo novo, algo nunca visto nem no xiismo, nem no sunismo. Khomeini inventou a ideia do Estado teocrático. Em termos de poder é um Estado teocrático, mas não é aceito por grande parte da população. Isto é evidente nas manifestações no Irã.

O líder religioso do xiismo árabe Al-Sistani se opõe à ideia de um Estado teocrático.

swissinfo.ch: Como é que sunitas e xiitas se enfrentam com tanta violência, por exemplo, no Paquistão?
A.H.: Isso tem a ver com o fundamentalismo. Em ambos os lados existem correntes fundamentalistas apoiadas por pessoas que seguem ao pé da letra o que está exposto no Alcorão e na Charia. Se um sunita no Paquistão exagera nessa interpretação e chama os xiitas de hereges, acaba provocando ecos violentos.

Há fundamentalistas em todos os lugares. Os evangélicos americanos que rejeitam o darwinismo também são, a meu ver, fundamentalistas. E há muitos grupos fundamentalistas em cada religião. Também no catolicismo.

swissinfo.ch: Existem diferenças entre sunitas e xiitas no que diz respeito à exigência das mulheres usarem véus?
AH: Esse ponto não tem nada a ver com as diferenças entre xiitas e sunitas, mas é uma questão de fundamentalismo religioso. Khomeini, por exemplo, era muito fundamentalista e reintroduziu no Irã a obrigação de usar o véu.

swissinfo.ch: São sunitas ou xiitas, os muçulmanos na Suíça?
A.H.: Eles são quase todos sunitas. Os muçulmanos dos Balcãs também são sunitas, já que os Balcãs pertenciam ao Império Otomano, que era sunita. Claro, não podemos excluir a visita de um turista xiita (risos).

Eveline Kobler, swissinfo.ch
Adaptação: Fernando Hirschy

sábado, 9 de abril de 2011

A vida no meio da Amazônia

A mata inóspita, as cidades que mudam de lugar, os eletrodomésticos que não funcionam, o som das motosserras – e o bom humor dos ribeirinhos
FREDERICO JUNQUEIRA - http://revistaepoca.globo.com
Frederico Junqueira
CASA CHEIA 
Moradores em uma casa alagada na Amazônia. A floresta é tão inóspita que só é possível viver ao longo dos rios, sempre sujeitos a inundações
“Mar de água doce.” Foi assim que Vincente Pinzón, o primeiro explorador a registrar uma viagem à região amazônica, em 1500, chamou o que hoje sabemos ser a foz do Rio Amazonas. E olha que ele não havia entrado nem 1 quilômetro rio adentro. Imagine como ele chamaria a região se tivesse vislumbrado o tamanho do Amazonas desde sua origem na Cordilheira dos Andes ou da selva que cerca os rios da região. Hoje em dia, todo o mundo já ouviu falar da imensidão da Amazônia, embora poucos conheçam a floresta e seus rios com intimidade.

Frederico Junqueira
VIDAS MOLHADAS 
Ribeirinhos andam de barco no Rio Purus
Para os que se aventuram a visitá-la, a força e a beleza da Amazônia aparecem já ao primeiro olhar da janela do avião: é um imenso mar verde, formado pela copa das árvores. Essa imagem levou as pessoas, por muitos anos, à falsa ideia de que o terreno na Amazônia era plano. Para outros visitantes, a força da Amazônia é vislumbrada logo em Manaus, no encontro das águas dos rios Negro e Solimões. A luta permanente das águas cor de barro do Solimões, s nitidamente contrastadas das águas escuras do Rio Negro, dura quase 7 quilômetros, até que ambos se rendem, finalmente se juntando e fluindo em direção ao mar com um só nome, o do maior rio em volume do mundo, o Rio Amazonas.
O que me fez despertar para a imensidão amazônica não foi nenhum desses dois marcos. Foi andar 50 metros mata adentro, a quase 1.000 quilômetros de distância de Manaus, fechar meus olhos e, após girar algumas vezes e abri-los novamente, não ter ideia alguma da direção da margem do rio, onde havia começado minha caminhada. Talvez eu fosse me perder e desaparecer para sempre, como tantos exploradores sem sorte ou mal preparados que por ali andaram. Isso se não fosse um sargento da Marinha do Brasil me gritando da margem do rio, como havíamos combinado.
Frederico Junqueira
Uma casa sobre troncos, feita para mover-se de acordo com o humor do rio
Eu estava na Amazônia a convite da Marinha, embarcado em um de seus cinco navios-hospitais. Há 27 anos esses navios circulam por toda a região amazônica e do Pantanal, dando à população ribeirinha tratamento médico, dentário e vacinas. Eu estava acompanhando a missão do Navio Assistência Hospitalar (NAsH) Carlos Chagas, que navegava pelo Rio Purus, em uma missão diferente das outras: ajudar as vítimas das enchentes de 2009, a maior em quase 60 anos. E também porque aquele era o Rio Purus, um rio especial – além de ser considerado o mais sinuoso do mundo, é um dos mais pobres do Estado.
A Amazônia ocupa 60% do território nacional. Metade do continente europeu caberia na Amazônia, com espaço de sobra. Sozinha, ela seria o sexto maior país em área no mundo. São centenas de rios e milhares de furos, pequenos canais entre rios que abrem e fecham a cada temporada de cheia, que são as ruas e estradas da região. Essas estradas podem mudar de local a cada ano, pois a cada cheia a água traça novos caminhos.
Frederico Junqueira
Um orelhão – praticamente um objeto de decoração nos vilarejos
Ao longo dos anos, esses furos vão mudando o trajeto percorrido pelos rios (que, quanto mais antigos, menos sinuosos são). A Amazônia é um lugar tão inóspito e misterioso que a maioria de sua população, ribeirinhos e índios, mora nas margens ou perto das margens dos rios. Os caminhos aquáticos são praticamente a única forma de transporte entre as pequenas comunidades que povoam os rios e as cidades maiores, aquelas com 1.000 habitantes ou mais, onde existe a chance de encontrar uma linha de telefone, luz elétrica e, raramente, uma pista de pouso para pequenos aviões. Não fosse pelas TVs e pelos rádios nas casas de alguns ribeirinhos, seria fácil achar que você retornou ao início do século XX.
Os eletrodomésticos funcionam apenas como decoração na maioria dos casos, pois as poucas pequenas comunidades com geradores a diesel normalmente têm muita dificuldade para conseguir o combustível. A presença do governo brasileiro, com exceção das áreas de fronteiras e cidades maiores, normalmente é limitada a um cidadão local designado como “agente de saúde”, que possui alguns remédios e purificadores de água para distribuir. Fora isso, a Marinha costuma ser a única representação do governo encontrada por muitos ribeirinhos em um ano.
Frederico Junqueira
Panelas areadas, um ponto de honra para as mulheres
Só nas cidades maiores se encontram, por exemplo, a polícia e o Poder Judiciário. E, como me disse o delegado de uma cidade de 5 mil habitantes à margem do Rio Negro, o tráfico de drogas é atuante, mas, para tomar qualquer atitude, ele precisa pedir socorro a Manaus, pois só conta com meia dúzia de policiais militares. Nas pequenas comunidades à margem dos rios menores, a Justiça é administrada pelos próprios moradores.
Surpreendentemente, até desertos podem ser lugares menos inóspitos que os rios e a selva amazônica. Isso ficou claro em uma missão de reconhecimento a uma pequena comunidade. Nossa lancha rápida teve uma pane no motor por alguns minutos, o suficiente para que a forte corrente nos jogasse contra algumas árvores de troncos vermelhos à margem do rio.
A cor vermelha, descobrimos então, era formada por milhares de formigas – que invadiram nosso barco. Depois de jogar muita água para dentro, usar os remos e um extintor de incêndio, achamos que tínhamos nos livrado das formigas. Mas horas depois elas ainda eram encontradas nos macacões e coletes salva-vidas. Muitos rios são propícios a um mergulho, mas na maioria deles a natação não é exatamente recomendada. Os perigos vão de piranhas, cobras (como as sucuris) e jacarés até, incrivelmente, tubarões. Um tubarão-cabeça-chata, ou tubarão-touro, já foi avistado no Rio Solimões, a mais de 2.000 quilômetros do mar.
Até desertos podem ser lugares menos inóspitos que os rios e a selva amazônica
A vida dos ribeirinhos
Nas pequenas comunidades à margem do rio, era comum encontrar os poucos homens das comunidades sentados nas varandas, conversando sobre a pescaria ou a caça da manhã (embora seja quase impossível caçar durante as cheias). Enquanto isso, as mulheres fazem a maior parte do trabalho. Elas mantêm a casa limpa, cuidam das pequenas hortas e areiam as panelas – o que é um ponto de orgulho. Em todas as casas que visitei, as panelas estavam sempre brilhando. Uma de suas principais funções é tomar conta do elevado número de filhos. Em todas as pequenas comunidades que ajudamos à margem do Rio Purus, só encontrei duas meninas de 15 anos que não estavam grávidas ou não tinham filhos. Uma delas, vestida sensualmente, na comunidade de 150 pessoas, não sabia me dizer por que não tinha engravidado ainda. A outra, vi levando uma bronca da avó, mãe de nove filhos, por não ter “prosperado” nenhuma criança. Nas comunidades maiores, as cidades da região, a situação era um pouco diferente. Mesmo assim é comum encontrar mulheres que ficaram grávidas pela primeira vez aos 14 anos. Em alguns casos, aos 12 ou 13.

Uma ribeirinha típica da região é Evanira de Souza, uma mulher simpática e alegre, de 28 anos, que não sabe ler nem escrever e estava em sua nona gravidez. Três filhos haviam morrido no fim da gravidez ou logo após o parto. Tendo carregado tanto peso no corpo, não foi surpresa que ela reclamasse de fortes dores nas costas para os médicos da Marinha. Enquanto conversávamos, dona Evanira segurava o bebê de outra mulher no colo, com um pedaço de papel grudado em sua testa. Era uma cura para o soluço. s A avó do bebê, de 59 anos, teve de perguntar ao filho qual era seu sobrenome e sua idade, pois não se lembrava. Em outra comunidade, um bebê de 1 ano e dois meses não tinha nome. O pai havia avisado a mãe que iria dar o nome do filho, mas saíra de casa antes do nascimento e ainda não voltara. Assim, a mãe e a avó do bebê o chamavam apenas de “bebê”. Outra mãe, com oito filhos, cuidava de mais duas crianças, porque seus pais “não as queriam mais”.
Vi uma menina de 15 anos levando bronca da avó por não ter “prosperado” nenhuma criança
Certo dia, entramos em um furo no rio com as lanchas rápidas do Carlos Chagas, procurando uma comunidade da qual não sabíamos o nome. Até então os mapas a designavam como “Imediatópolis”, pois ela havia sido descoberta pelo imediato (ou subcomandante) de um dos navios-hospitais da Marinha no ano anterior. Nessa comunidade encontramos uma simpática e interessante família. O senhor Francisco de Lima e sua mulher, Maria Zulene, ambos com 45 anos, tinham 16 filhos, 22 netos e alguns bisnetos a caminho. Juntos, eles representam mais da metade dos habitantes de Imediatópolis. Dona Zulene estava em sua 17a gravidez. Seu Francisco vestia uma camisa do Vasco da Gama. Em grande parte da Amazônia, só se veem camisas e torcedores de dois times, os cariocas Vasco e Flamengo, mesmo sendo quase impossível ver os jogos fora das cidades maiores.
A motosserra na selva
Quando a equipe médica do Carlos Chagas se aproximava das comunidades à margem do rio, a reação mais normal era os moradores se aproximarem rapidamente, ao reconhecer o “pessoal da saúde da Marinha”. Para a maior parte dessas pessoas, a Marinha é a única chance de receber cuidado médico, dentário e vacinas. Em outras ocasiões, o medo da medicina moderna fazia com que moradores se recusassem a receber tratamento. Mais de uma vez vi moradores fecharem suas janelas, se escondendo, com medo das pessoas “do governo”. Esse medo era sempre vencido quando os moradores se asseguravam de que não eram os fiscais do Ibama e sim a equipe de saúde da Marinha.

Frederico JunqueiraFrederico Junqueira
CONTATO MÉDICO 
O tenente dentista Bruno Mauad ensina as crianças a escovar os dentes; a tenente médica Poliani Garcia examina um bebê e ajuda um parto. Em 18 dias de navegação, o navio da Marinha atendeu mais de 1.500 pessoas espalhadas ao longo do Rio Purus
Embora a região em volta do Purus seja uma das menos desmatadas da Amazônia, era comum cruzar no rio com barcos rebocando pequenas florestas flutuantes de toras de madeira, a caminho de virar valiosos móveis no mundo todo. Navegando grudado à margem, era possível escutar o barulho de motosserra e machados devorando a floresta. Os madeireiros se sentem protegidos pelo isolamento da região e pela própria selva.
O Carlos Chagas tem um helicóptero a bordo, que pode ser lançado para anotar as coordenadas do local, para posteriormente repassá-las ao Ibama – ou, em caso de drogas, à Polícia Federal. Mas há muito poucos agentes para fiscalizar tanta floresta. Lamentavelmente, atividades ilegais como a pesca do pirarucu fora de época ou o corte de árvores são das poucas opções para se manter na região. O escambo da madeira, dos peixes e animais caçados ilegalmente é realizado por intermédio de receptadores que circulam pelo rio e dão em troca botijões de gás, alguns litros de óleo diesel para os geradores ou poucos reais.
Um garoto caiu da árvore e foi perfurado por um galho. Só foi atendido 16 anos depois do acidente
As Nações Unidas, ONGs e institutos internacionais discutem a alternativa de pagar à população local para que conserve a floresta, mas é quase impossível fazer o dinheiro chegar a quem precisa. Na maioria das pequenas comunidades que visitamos, as pessoas não tinham documentos (para muitos, o documento é a carteira de vacinação) nem noção de seus direitos ou deveres. O isolamento é tão grande que muitos nem recebem o famoso Bolsa Família. Como um programa de distribuição de dinheiro poderia funcionar, a não ser em pequena escala e em locais específicos?
Navios da esperança
A tripulação normal do Carlos Chagas é de 40 pessoas, mas em todas as missões de ajuda às populações ribeirinhas a tripulação é acrescida de pelo menos três médicos, três dentistas, enfermeiros, um farmacêutico e um sargento fuzileiro naval do ramo de inteligência. A função do sargento é colher informações sobre as comunidades, tirar fotos e determinar se existem pessoas ou organizações estranhas trabalhando na área. Já houve, por exemplo, o caso de dois geólogos estrangeiros que, fingindo ser auxiliares de um padre, viviam na região. s


Fredrico Junqueira
DESBRAVADORES 
No alto., o Navio Assistência Hospitalar Carlos Chagas no Rio Purus. Os bancos de areia que mudam a cada ano exigem manobras perfeitas. Acima., o helicóptero do navio a caminho de uma comunidade
Em 2009 os NAsH completaram 25 anos de serviços à população ribeirinha na Amazônia e no Pantanal, 365 dias por ano. Apenas nos 18 dias em que o Carlos Chagas estava aberto para atendimentos nessa missão, em um rio esparsamente povoado, atendeu mais de 1.500 pessoas. Durante um ano, a Marinha presta serviço médico e dentário para mais de 150 mil moradores da região amazônica. A maioria dos médicos vem de São Paulo. Todos são voluntários e passam por um processo competitivo para que possam servir na Amazônia por, pelo menos, um ano.
Os navios-hospitais e patrulhas da Flotilha do Amazonas, como são conhecidos esses barcos, navegam entre 150 e 250 dias por ano, mais que todos os outros navios da Marinha. É normal que os militares fiquem vários anos embarcados na região. Por esse motivo, entre a tripulação do Carlos Chagas estava o marinheiro com mais “dias de mar” do Brasil, o suboficial Sandoval, um veterano de mais de 15 anos de serviço na Amazônia. “Parei de contar quando passei de 2 mil dias”, disse.
Para os oficiais, o serviço na região é uma oportunidade sem igual de adquirir experiência de navegação e comando. Navegar nos traiçoeiros rios da Amazônia, com pedras e bancos de areia que mudam a cada ano de acordo com as cheias, apresenta complicações bem diferentes da navegação em mar aberto. Os rios não deixam margem para erros ou manobras menos que perfeitas. Muitas vezes, enquanto acompanhava as manobras da ponte de comando do Carlos Chagas, vi os oficiais de serviço se recusando a ficar de costas para o rio, ou para a tela do radar, que é a única ferramenta de navegação noturna quando não é noite de lua cheia.
Essa área é tão peculiar que era comum os navios-hospitais chegarem ao local de uma suposta comunidade para descobrir que ela não existia mais – havia sido desmembrada em outras comunidades ou simplesmente sumido. Algo comum, assim como o aparecimento de novas comunidades, já que as casas à beira do rio costumam ser construídas sobre grandes troncos de madeira, transformando-as em flutuantes. As casas na beira do rio que não são flutuantes não costumam durar mais de uma temporada de cheia.
A vida no meio da mata
A vida nessa região, principalmente nas pequenas comunidades, é diferente de tudo o que se possa imaginar em uma grande cidade. Apenas alguns poucos lugares podem ser acessados por avião. Não existem estradas ligando as cidades aos vilarejos, o que é ruim para a população, mas ótimo para a preservação da floresta. O tempo de viagem entre cidades pode ser de dias, a não ser que seja feito nos “jatinhos”, os barcos com motores fortes que formam o transporte de luxo na região. Mas, à medida que Manaus vai ficando para trás, é bem mais difícil encontrar os jatinhos ou os barcos de transporte.

Nas comunidades menores, há sempre um líder comunitário. Muitas vezes, é também o pastor da Assembleia de Deus local. No Rio Purus, só encontrei a Igreja Católica e as outras denominações evangélicas nas cidades maiores. Os políticos são vistos sempre perto da época das eleições, muitas vezes dando geradores a diesel para comunidades ou fazendo promessas. Não é difícil encontrar os prefeitos de municípios da região morando em capitais como Manaus, muito distantes de seus eleitores.

Frederico Junqueira
A GRANDE FAMÍLIA 
Seu Francisco (de barba) e sua família. Aos 45 anos, ele tem 17 filhos, 22 netos e alguns bisnetos. Torce para o Vasco da Gama – mesmo sem ver os jogos
Em uma comunidade que fomos, com mais de 1.000 habitantes, a equipe da Marinha usou um posto de saúde inaugurado às vésperas da última eleição municipal. Infelizmente, tirando as paredes bem pintadas, a placa com os nomes dos políticos e uma velha cadeira de dentista, não existia nada mais. Nem eletricidade, nem água corrente, nem móveis, muito menos medicamentos, médicos ou enfermeiros. Ali recebemos a notícia da chegada de uma emergência, uma criança que havia caído de uma árvore e tinha um pedaço de galho atravessado em sua bolsa escrotal. Após alguns instantes, um homem entrou na sala e sentou na maca. Um dos médicos perguntou: – Você sofreu o acidente? – Sim – disse o rapaz. – Mas quantos anos você tem? – Trinta e um. Caí da arvore há 16 anos e nunca consegui me tratar – ele respondeu.
Ele havia usado a “emergência” para furar a fila, mas sua história era real. Há 16 anos convivia com o problema, sem infecção e sem tratamento. Em outro momento, um dos médicos orientava uma mãe sobre a grave infecção da filha:
“Em três dias se ela não melhorar” – ele então parou e lembrou que em três dias estaríamos a centenas de quilômetros dali. Então disse: “Ela TEM de melhorar e, se não melhorar, a senhora dá um jeito de correr para uma cidade grande e um hospital”. Em casos como esses, era visível a frustração dos profissionais de saúde.
Curiosamente, até nos menores locais é possível encontrar escolas, mesmo que sejam, quase sempre, apenas algumas cadeiras e um quadro-negro. O que é muito difícil de encontrar são professores ou crianças e adolescentes que saibam ler e escrever no nível de suas idades. Os professores só costumam vir no período de seca e, mesmo assim, a qualidade da educação deixa muito a desejar. Também é fácil encontrar telefones públicos nas comunidades, já que a lei que privatizou o sistema de telecomunicações obrigou os compradores a instalar esses orelhões. s Mas, a não ser nas comunidades com mais de 1.000 habitantes, não vi um único telefone público que funcionasse. Era normal os moradores dizerem: “Iihhh, isso aí funcionou só uns dias depois de ser ligado”.
Felizes em seu mundo
Às vezes, a chegada da equipe da Marinha era fortuita, como na comunidade em que uma criança tinha acabado de cair de uma árvore e foi imediatamente socorrida. Ou no caso de um menino que havia cortado a perna havia mais de um ano. Os médicos fizeram o máximo possível, mas o rapaz mancará pelo resto da vida. Em outra comunidade, os médicos trataram uma infecção na cabeça de uma criança de 5 anos, causada por piolhos. A mãe afirmava que não sabia que era necessário limpar os cabelos do filho, um de seus seis. Em todos os locais em que estivemos havia grandes filas para os dentistas, que faziam extrações, distribuíam material de higiene dental e ensinavam crianças e adolescentes a fazer a higiene bucal.

Não encontrei fome em lugar nenhum do Rio Purus, mas sim um povo isolado, desassistido. A vida dura faz os ribeirinhos parecerem bem mais velhos do que são, mas costumam ser muito bem-humorados e hospitaleiros. Se há comida na casa, principalmente as deliciosas castanhas-do-pará, eles as oferecem aos visitantes. Ao receber estrangeiros, desatam a conversar sobre as tradições da região e perguntar os placares dos campeonatos de futebol.
Quando dizia às crianças que havia gente mais alta que eu, elas perguntavam: “E são humanos, como nós?”
As crianças, curiosas, mais de uma vez me perguntaram se existiam pessoas mais altas que eu no barco (tenho 1,83 metro). Depois de afirmar que sim, elas me perguntaram: “E são humanos, como nós?”. Às vezes, encontrávamos crianças de 6 ou 7 anos remando ou guiando sozinhas as rabetinhas, pequenas canoas da região, com ou sem um motor de popa. Desde cedo, todos os membros da família ajudam a garantir o sustento da família.
Na era do Twitter e do Skype, passar quase um mês sem celular ou internet foi uma experiência enriquecedora. Encontrei no Rio Purus um povo acolhedor, levando uma vida que poderia ser confundida com a de alguns séculos atrás (tirando os equipamentos eletrônicos e motores), mas feliz, conectado com a natureza.
Em locais como esses vislumbramos o tamanho do Brasil. É muito difícil imaginar que aqueles rios e povoados fazem parte do mesmo país de São Paulo e Rio de Janeiro. Também ficou claro que o mar de água doce de Pinzón ainda é capaz de enfeitiçar e cativar da mesma maneira que fez com o explorador espanhol, 510 anos atrás. 
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