sábado, 28 de março de 2015

A SIL e os estudos das línguas indígenas brasileiras


Nataniel Gomes 

Na época do descobrimento deveria haver no Brasil de cinco a seis milhões de indígenas, divididos em cerca de 900 diferentes grupos étnicos. Infelizmente, a população indígena brasileira hoje não chega a 250 mil –menos de 5% do número existente à época do descobrimento e pouco mais de 0,15% da população atual do país (eram 0,20% em 1957). Povos indígenas de 900 para 221 (24,5% do número anterior). Os sobreviventes falam pelo menos 185 diferentes línguas.
Para os missionários evangélicos seria a seguinte: os 56 grupos reduzidos, cada um tem menos de 100 indígenas, os 54 grupos pequenos têm entre 100 e 299, os 50 grupos médios têm entre 300 e 999, e os 41grupos grandes têm acima de 1000.

Para explicar o que a busca de sobrevivência dos índios há três rotas distintas: 1) o isolamento completo em relação ao não índio; 2) o intercâmbio cultural e econômico; 3) a aculturação completa.

Mais de 70% dos índios estão no Amazonas (55 mil), Mato Grosso do Sul (30 mil), Roraima (23,4 mil), Mato Grosso (16,3 mil), Pernambuco (15,8 mil), Maranhão (12,1 mil) e Pará (11,3 mil). Os demais 65 mil índios (28,4%) estão no resto do país. Não há índios no Piauí nem no Rio Grande do Norte. Perto de 90% dos índios vivem nas regiões Norte (45,46%), Centro-Oeste (22,36%) e Nordeste (20,13%) [1].

Enquanto o ex-ministro do Trabalho Antônio Rogério Magri, no início da década de 90, dizia que a sua cachorra merecia ser levada ao veterinário num carro oficial, por que era “um ser humano como qualquer outro”, o padre Simeão de Vasconcelos, na segunda metade do século XVII, dizia que os indígenas “são feras, selvagens, montanheses e desumanos... uns semicapros, uns faunos, uns sátiros dos antigos poetas, e parecem mais brutos em pé que racionais humanos” (Crônica da Companhia de Jesus).

No total descompasso entre os conceitos, ressaltar que o índio não é não é aquele indivíduo puro e inocente apresentado nos romances de José de Alencar (Iracema e o Guarani) nem nos poemas de Gonçalves Dias (Y-Juca-Pirama). Esta visão romântica do indígenas brasileiro não corresponde à verdade. O fato é que a influência desse indianismo épico tem prejudicado muito a compreensão mais exata do índio brasileiro.

Os povos indígenas têm uma economia de subsistência e não lucrativa. O que parece incomodar a visão capitalista dos madeireiros, garimpeiros e dos amantes do capitalismo, este sim, selvagem.

Nos impressiona ver como o problema de terras indígenas tem causado espécie em muita gente: cálculos sensacionalistas para impressionar a opinião pública. Só para citar um exemplo revista Veja (5/7/89), diz que os 136.000 índios da Amazônia caberiam no Estádio do Morumbi e que, se todos os brasileiros tivessem ao nascer a mesma porção de terra que os índios têm., “o Brasil só poderia abrigar 1,4 milhão de pessoas – ou o país teria de ter um território igual a quatro vezes a soma da área total dos cinco continentes”.

Até mesmo os repetidos suicídios de adolescentes guaranis e caiuás no Mato Grosso do sul tem como explicação a limitação geográfica da área da reserva, segundo o ex-superitendente-geral da FUNAI, Edizio Batistelli.

No meio desta luta pela terras, vemos a aldeia ianomani perdendo mães e pais. Além do estímulo que os garimpeiros dão para o vício da cachaça. Ao analisar o discurso sobre o índio na imprensa escrita, constata-se que ele é sempre desfavorável ao índio. Na maioria dos textos observa-se a defesa dos interesses dos poderosos em nome do desenvolvimento e do bem-estar da população brasileira (aqueles que trabalham com a linguagem podem desmascarar toda forma de discurso que traga implícitos o preconceito, a discriminação e ideologia visando manipular a opinião pública, com o fim espúrio de manter os interesses de grupos dominantes).

Em todas estas situações o aparente paternalismo está intimamente ligado ao imperialismo e ao colonialismo. O fato é que, nestas três situações há uma relação de poder e domínio supremo e absoluto de uma instituição ou nação sobre outra; o colonialismo é a tentativa de manter o domínio sobre o outro; o paternalismo é dissimular o excesso de autoridade sob a forma de proteção. Essa “proteção” é óbvia e paradoxal. É com tristeza que percebemos que a função do imperialista, do colonialista e do paternalista é manter o poder, embora cada um a seu jeito.

O que tudo isso tem haver com o estudo de línguas indígenas? Cada estudo novo traz novas contribuições à lingüística, revelando novos conceitos e horizontes até então desconhecidos para o estudo da linguagem humana e a há um fato desconhecido de muita gente: uma considerável das descrições é fruto do trabalho de missionários-lingüistas do SIL (Summer Institute of Linguistics, em português, Sociedade Internacional de Lingüistica) em diversos grupos indígenas autóctones. Eles fizeram diversas análises fonológicas, dicionários bilíngües, traduções de textos e algumas gramáticas pedagógicas.

É a partir destes trabalhos que surgiram muitos estudos novos, comparando essas descrições, tirando conclusões. Eles tiveram a responsabilidade de documentar várias línguas.
É claro que alguns grupos foram formados no Museu Nacional, na Unicamp, na UFRJ, no Museu Emílio Goeldi, na Universidade de Pernambuco, para se dedicarem à questão. Todavia, o objetivo do nosso estudo é refletir sobre a atuação da SIL no Brasil.

Um histórico do estudo das línguas indígenas brasileiras:

Cada língua tem determinados traços, que podem coincidir com outras, mas no seu conjunto caracterizam-se como um sistema único de expressão humana. Infelizmente, Algumas das línguas desaparecidas foram documentadas, mas a grande maioria não deixou-nos um traço sequer.

No passado as informações e dados lingüísticos sobre as línguas indígenas brasileiras pertenciam ao registro dos etnógrafos, principalmente no século XIX, e as obras jesuíticas a um passado ainda mais remoto. Queremos dizer os primeiros contatos científicos com as línguas indígenas foram feitos através de missionários nos tempos da colonização, com grande repercussão para os estudos da atualidade.

Todos os trabalhos são extrema importância, principalmente no registro de línguas já extintas. Os etnólogos alemães responsáveis por estes trabalhos tiveram excelente formação, por isto podemos confiar em seus registros para as análises atuais.

A obra jesuítica traz trabalhos comparativos de suma importância para análise das línguas da família Tupi da costa, já extintas. Estes Tupi tinham vindo do sul em movimentos migratórios, expulsando outros povos, que estavam a pouco tempo no litoral, de modo que foram estes que tiveram contato com os colonizadores e missionários. Os portugueses desprezaram as outras línguas por causa disto.

O missionário jesuíta apaixonou-se pelo Tupi ao ponto de considerar-se hostil às outras línguas, criando a noção de padrão. É lógico que naquele momento o missionário tinha o objetivo apenas religioso. O ideal era tal, que rapidamente se suprimiu o problema da comunicação. E de acordo com Mattoso Câmara, os missionários obtiveram certo resultado com isso, usando como base as gramáticas latinas. É a chamada língua geral, que chegou a se implantar em certas regiões do Brasil. E esta expressão foi utilizada inicialmente pelos portugueses e espanhóis para qualificar as línguas indígenas de uma determinada área.

O problema gerado foi o da simplificação fonética muito grande, tendendo a deixar de lado tudo aquilo que era exótica para sua reprodução, e adulterando-se as categorias genuínas e o valor de morfemas, graças a regularização pelos modelos de gramática latina.

Feitos estes comentários, trabalhos como do Padre Anchieta tornam-se gramáticas fundamentais para estes estudos. Assim se propagou um não-Tupi em certos grupos mestiços, fornecendo um grande vocabulário para o português do Brasil.
Nos estudos modernos temos pecado por somente fazermos listas de palavras, sem uma sistematização, uma interpretação, salvo raríssimas exceções gerativistas. As listas foram e são preparadas muitas vezes com interesses etnológicos.

De qualquer forma não devemos ser críticos demais. Deste trabalho surgiu a primeira tentativa de classificação dos quatro grupos indígenas: Tupi, Jê, Aruak e Karib. A lingüística estruturalista se instaura nos anos sessenta, através de Joaquim Mattoso Câmara Jr. É criado o Setor de Lingüística do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ. Este foi o primeiro programa na modernidade de lingüística voltado para o estudo das línguas indígenas brasileiras. O programa teve entre as figuras principais os lingüistas do Summer Institute of Linguistics (SIL), missão cristã-evangélica de caráter acadêmico, que trouxe como metas a descrição das línguas, a confecção de dicionários, além da classificação genética das línguas.

Neste período a produção acadêmica brasileira foi mínima, com umas poucas dissertações de mestrado e artigos, sempre de um aspecto parcial da língua.

E ao longo deste período formam-se as bases para o avanço dos estudos tipológicos, que começaram nos anos 80. Seus estudos entram na UnB no final daquele período, através de Aryon Rodrigues, o mesmo acontecendo na UFPE, UFPA, UFSC. Há um evidente desenvolvimento nas diversas Universidades. Começam a surgir as teorias gerativas. Em 1987 é lançado o Programa de Pesquisa Científica sobre as Línguas Indígenas, um novo impulso nos estudos.

Nos anos 90, ocorre um desenvolvimento gradual e progressivo, principalmente com o ressurgimento do museu paraense Emílio Goeldi e a reformulação do setor de Lingüística do Museu Nacional. Temos um avanço nos estudos tipológicos, retomados por trabalhos gerativistas, embora a prática metodológica permaneça.

Retorna-se a investigação histórica e comparativa. Possibilita-se um diálogo entre etnoarqueologia e a lingüística. Os estudos sócio-lingüísticos só vão aparecer muito recentemente. Os trabalhos, de um modo geral, são parciais e raramente surge uma gramática completa. Afinal quem pode agüentar uma pesquisa de campo desta envergadura? De modo que o lingüista acaba trabalhando em projetos de educação escolar, o que exige tempo e dedicação, que consideramos, no mínimo justo, como forma de retorno aos povos indígenas.

O maior número de publicações se deve a editoras universitárias, exceto Línguas Brasileiras, de Aryon Rodrigues, livro gera e introdutório. A editora da UNICAMP dedica algum espaço para o assunto em seus periódicos. E finalmente o SIL (Summer Institute of Linguistics) lança gramáticas completíssimas, publicadas em três volumes, Handbook of Amazonian Languages.

O SIL tem uma presença importantíssima na produção de vocabulário, em projetos de educação, em cartilhas, manuais, gramáticas, livros de textos e etc, ainda que questionável por alguns, principalmente por sua posição apartidária (sendo acusado de governamental).

Atualmente o Museu Nacional e o Goeldi estão desenvolvendo linhas de produção e uma produção internacional, conquistando novos fóruns. Notamos um aumento considerável na participação de graduandos e pós-graduandos.
Das 185 línguas indígenas brasileiras, boa parte delas continua inédita. A maior parte da produção é fruto da ação do SIL. Para Prof. Bruna Franchetto, deste total de línguas, 160 estão na Amazônia, tendo 34 uma boa documentação (28 da Amazônia), 114 têm alguma forma de documentação e 23 sem nenhum registro.

Devido aos contatos do SIL no início de seu trabalho, estamos tentando intercâmbios com as Universidades de Eugene, Rice e outras nos EUA. E certamente outros contatos serão ainda travados.
Infelizmente, ainda não temos nenhum banco de dados que centralize as informações sobre projetos, pesquisas e textos.
O curso de especialização do Museu Nacional enfatiza uma boa formação teórica. E ao mesmo tempo vão surgindo cursos nas mais diversas Universidades e instituições. Mas afinal onde se formam tais pesquisadores? 

Instituições oficiais

§ Universidade Federal do Rio de Janeiro (Setor de Lingüística do Museu Nacional), sendo o centro de pesquisas mais antigo, possuindo amplo material do SIL;
§ Universidade Estadual de Campinas (Instituto de Estudos da Linguagem), com o início dos estudos em 1977;
§ Museu Paraense Emílio Goeldi (Departamento de Ciências Humanas), sendo um instituto de pesquisa do CNPq, que ressurge das cinzas graças à dedicação do Dr. Denny Moore;
§ Universidade Federal do Pará (Departamento de Línguas e Literaturas Vernáculas);
§ Universidade de Brasília (Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernáculas), tomou fôlego com a chegada do Prof. Aryon Rodrigues;
§ Universidade Federal de Goiás (Museu Antropológico);
§ Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal de Alagoas;
§ Universidade Federal de Santa Catarina;
§ Fundação Universidade Federal de Rondônia;
§ Universidade de São Paulo.
Instituições não-oficiais:
§ Summer Institute of Linguistics;
§ ALEM, Associação Lingüística Evangélica Missionária;
§ JOCUM, Jovens com uma missão;
§ Novas Tribos do Brasil.

O SIL

De um modo geral as populações indígenas recebem muito pouco do mundo acadêmico, quando recebem. Na realidade, a ajuda tem surgido a partir dos programas de cursos de formação para professores indígenas, como parte da herança do SIL, hoje rebatizado de Sociedade Internacional de Lingüística.

Recentemente o SIL lançou um projeto para documentação sócio-lingüística das línguas Arara, Parakanã e Araweté.
O SIL tem sido muito criticado por ter lingüistas trabalhando com um intuito também religioso, a tradução da Bíblia para aqueles povos, sendo chamados de fundamentalistas. Mas será que os críticos sabem o que significa fundamentalismo? O próprio Aryon Rodrigues, o nome mais importante nos assuntos das línguas indígenas brasileira e o segundo doutor em lingüistica no Brasil, diz que o maior catálogo de línguas do mundo é da Wycliffe Bible Translators (Dallas, 1984), organização irmã do SIL. É claro que o problema está em algumas metodologias missionárias que de fato são carentes de contextualização, mas a oposição é tanta que se colocam todos os grupos no mesmo rótulo.

O SIL na década de 70 participou ativamente da escolarização dos índios, mas por questões políticas estes lingüistas foram obrigados a deixar o campo, o que poderia Ter sido uma grande oportunidade para o meio acadêmico mostrar sua força, que se queixava de falta de espaço para a pesquisa. Mesmo assim pouco se aproveita deste período, porque, de um modo bastante geral, só os missionários tinham a perseverança de permanecer no campo. O SIL também tem seu lado acadêmico que pouco se comenta. Nos anos 80, o SIL volta ao campo com apoio da FUNAI para ajuda no trabalho de edições bilingües, gerando novas críticas das instituições universitárias.

O próprio Mattoso Câmara deu um curso de especialização no Museu Nacional junto a uma lingüista do Summer, a Drª Sarah Gudschinsky, e ao que tudo indica com grande aproveitamento.

Eles realizaram a coleta de dados de várias línguas ágrafas, para assim realizarem a sua descrição, dando cursos de treinamento para trabalhos de campo em lingüística para os membros do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, participando da publicação de diversos dicionários bilingües e outros. Após os longos anos de coleta de dados a línguas chega a possuir uma forma. A partir deste grande passo eles produzem uma literatura apropriada para aquela nação.

A alfabetização na língua materna é fundamental para os membros da SIL, começando pelos adultos e passando em seguida para as crianças. Assim, eles são incentivados a produzir seu próprio material de leitura.
Outra crítica muito comum é da irregularidade da produção, que cremos poder acontecer em qualquer instituição por fatores contrários ao pesquisador, como uma viagem, uma doença e outros, não sendo este um bom argumento.
Certo lingüista afirmou que estava pouco preocupado com que tipo de texto fosse produzido, se a Bíblia ou contos indígenas, mas que se deixasse uma marca daquela língua. O que nos parece justo.

Uma outra análise da questão:

Não fazemos parte desta organização missionária, mas cabe-nos a pergunta aos pesquisadores: Por que não fazemos um trabalho aplicado, que é de suma importância para os povos indígenas? Por que nos preocupamos tanto com as teorias, que na maioria dos casos não têm nenhum valor para os índios? Será que só estamos preocupados com os títulos, como muitas vezes Darcy Ribeiro acusou os antropólogos? Será que somos tão radicais que não valorizamos o trabalho do outro que tem uma percepção diferente do mundo?

Parece-nos que o assunto não é discutido de maneira franca e ampla.

O ex-secretário Nacional do Meio-Ambiente, o senhor José Antônio Lutzenberger faz o seguinte comentário, para aqueles que acham que os missionários estão em busca de minérios:
O que está por trás não são meia dúzia de padres e pastores que vão levar o perigo da internacionalização... Então, não sou a favor dos missionários e nunca disse que era... duvido que a maioria deles esteja lá se fazendo de missionários para encontrar minério. Ora quem quer encontrar minério acha até por satélite. Não precisa estar andando com Bíblia. 

A nossa Constituição versa assim:
Art. 231. São reconhecidos aos índios o direito à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos ordinários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os bens.

Ao interpretar a lei dizendo que o índio não podem Ter acesso a outras religiões, então eles também não podem Ter acesso a outra língua. Ou seja, proibi-se uma face da lei mas liberando-se outra, vemos o quando há de tendencioso em nosso discurso.

Podemos perceber que existem vários povos que possuem indígenas cristãos, mas pelo que sabemos, eles continuam se identificando como índios!
Há uma importante uma distinção entre cultura e identidade étnica. A cultural não começa com a vinda dos missionários evangélicos, apesar deles serem agentes de mudança. A cultura é dinâmica, ela muda com os sem os “brancos”, simplesmente com o contato com índios de outras nações.

O fato de um índio crente mudar o seu comportamento em relação aos outros, ou não aceitar alguma tradição de seu povo, não significa que ele não pode mais se identificar como índio. O brasileiro crente que deixa de participar de alguma festa típica, como o Carnaval, nem por isso deixa de ser brasileiro.
Claro que há missionários menos sensíveis do que outros às tradições dos indígenas. Alguns missionários não se empenham em aprender a língua do povo em que estão inseridos, ferindo a dignidade do índio. Todavia, se formos sinceros: o número de missionários que fala a língua em que está é bem maior do que o número dos que são acusados de insensibilidade cultural.

É fato que o trabalho que os missionários estão fazendo na área de saúde está assegurando a sobrevivência e o crescimento das populações indígenas. A educação bilíngüe e a confecção de gramáticas estão reforçando o orgulho que índio tem da sua língua, e, portanto, da sua identidade étnica. E a permanência de missionários evangélicos em áreas indígenas tem ajudado a manter à distância pessoas que gostariam de tirar a terra das comunidades indígenas, a preservação da qual é fundamental para a sobrevivência física e social delas.

Tirar os missionários evangélicos das áreas indígenas não ajudaria o índio na sua luta. Pelo contrário, ajudaria aqueles que querem ver o índio virar apenas uma lembrança histórica.

Até agora nada foi definitivamente provado e nenhum missionário estrangeiro foi expulso do país.

Muita gente, em nome do indigenismo e no afã de defender o direito do índio de manter a crença, sua cultura, seu “habitat”, considera uma agressão alguém chegar lá levando qualquer tipo de informação, pois, na maioria dos casos, a sociedade branca leva aos índios valores menos dignos que os valores culturais por eles preservados durante séculos. Mas, daí a privá-los de toda e qualquer informação, de militar contra esse direito, e dizer que estes grupos tribais já fizeram a sua própria opção religiosa e histórica, não apresenta completamente a verdade. A maioria dos grupos indígena do Brasil, por exemplo, vive em áreas que eles não escolherem.

A antropóloga Dominique Tilkins Gallois tem, sistematicamente, emitido acusações contra os missionários evangélicos, tanto nos meios de comunicação especializados como na mídia em geral. Como resultado, os missionários que trabalham entre os Waiãpi, no Amapá, encontram-se impedidos de retornar à aldeia onde desenvolviam seus trabalhos.

Com isso os missionários entre os Zoé, alvos máximos de Dominique, foram expulsos. Mas os membros da aldeia Waiãpi protestaram muito contra a retirada dos missionários, sem conseguirem a volta deles. Será que os índios estavam hipnotizados? Ou será que realmente havia uma relação de respeito e amizade entre os índios e os missionários?
João Bosco, Procurador Geral de Macapá, comenta o seguinte sobre Dominique Tilkins Gallois e a organização não-governamental (ONG) da qual faz parte (Centro de Trabalho Indigenista — CTI):
A experiência da FUNAI é omissa, ela é refém das ONG’s, pois não dispõe de recursos, nem econômicos nem humanos. Quem define as prioridades atualmente são as ONG’s. No caso do Amapá, quem define as prioridades são a Dominique e o Estado (...) Sobre os missionários, Márcio Santilli, presidente da FUNAI, sofreu pressão de Dominique (...) Há indícios de ligação entre os projetos de mineração (de Dominique — explicitação minha) e a expulsão dos missionários. Ficou evidente que o projeto previa caminhões e mecanismos de extração de ouro que não combinavam com o projeto de recuperação de áreas degradadas (...)

Descobriu-se que havia um desmatamento para a construção de uma pista de pouso de 800 metros de comprimento por trinta metros de largura. (CPI - FUNAI, Câmara dos Deputados - DETAQ, N° 1354/99. 1/12/99:60-1)
Mas com ela é vista pelos índios? Vejamos no discurso de um deles:
Nós temos medo da senhora Dominique. Ela quer acabar com nossa cultura, nossas tradições e costumes. Garimpo grande só traz mudança da cultura, bebidas, prostituição, doenças, malária, divisão de poder e desrespeito dos mais velhos pelo jovens. (...) Waiãpi não faz roça daquele jeito, comprida (uma roça de proporções inusitadas para o povo foi derrubada sob orientação de Dominique; na verdade, o objetivo era construir uma pista de pouso – elucidação minha). Queremos que CTI pague pelos danos ambientais. (...) Nunca vi uma antropóloga dividir um povo indígena. É a primeira vez que isso acontece no Brasil. Povo Waiãpi tá dividido: parente com raiva dos parentes. É muito ruim isso. Só problema mesmo. (CPI - FUNAI, Reunião realizada na área Waiãpi, 22/11/99.59)

A dita antropóloga reconsidera sua acusação de que os missionários eram agentes de discórdias:
Quer dizer, divisões, dissensões, disputas são parte da história e da estrutura do povo Waiãpi [...]. Portanto, eu acho que é muito importante considerar que não é a questão das Novas Tribos ou uma e outra que promove uma cisão, uma divisão, uma facção. Estas diferenças existem por história, por natureza, dentro desta e de todas as comunidades indígenas, né?” (CPI-FUNAI, 1/12/99:34).

Ela dizia que os missionários eram os agentes de divisão; depois percebeu que os indígenas tinham outra opinião: era ela a causadora das dissensões, aí ela mudou seu discurso.

Este é o pano de fundo que está por trás de algumas acusações.

Em fevereiro deste ano, no programa Fantástico, da Rede Globo, um índio dos Zoé “acusou” um missionário de “pegar” mulheres na aldeia. Mas há um grande problema no discurso a palavra missionário não foi traduzida para ele. É mais do que óbvio que ele foi induzido [2].

O preconceito é tão latente no meio acadêmico que o lingüísta e missionário Isaac Costa teve um artigo seu rejeitado por uma professora do Norte do país. Ela se justificou em carta-aberta que “[...] opinei pela não aceitação de nenhum dos três textos, independente do valor intrínseco deles” por causa da opção religiosa dele.

Formação dos missionários

Os missionários do SIL, na sua maioria estrangeiros, recebem sua formação acadêmica em geral nos Estados Unidos.
Encontramos missionários brasileiros e estrangeiros de pouca escolaridade. Alguns deles cuidam das instalações, das compras, da aplicação de primeiros socorros aos índios, de exames de laboratórios, de plantações e assim por diante. Mas há missionários brasileiros e estrangeiros de elevado preparo acadêmico, especialmente os que se dedicam à tradução da Bíblia para línguas nativas (lingüistas) e os que se dedicam ao estuda da cultura indígena (antropólogos). Só para citar: a missionária americana, Irene Marie Bensan, diretora da escola bilíngüe para índios wai wai, no posto indígena de Mapuera, no estado do Pará, tem mestrado em Educação nos Estados Unidos; a missionário brasileira de origem holandesa Tine Heriete van der Meer e o missionário brasileiro Isaac Costa de Souza ambos têm mestrado em Lingüística pela Unicamp.

Porque alguns só se decidiram por missões depois dos estudos seculares, há entre eles técnicos em eletrônica, eletromecânica, desenho técnico e prótese dentária. Outros são formados em Física, Assistência Social, Psicologia, Pedagogia e Veterinária. Contrariando a imprensa não encontramos nenhum geólogo ou garimpeiro entre eles.

Nem todos os missionários moram nas selvas. Muitos estão nas cidades, onde ficam as sedes das missões, os escritórios, as escolas, as gráficas, os lares dormitórios (para filhos de missionários) e todo o pessoal quer realiza trabalho de resguarda. Os que vivem na selva, moram em casas de madeira cobertas de sapé, cavacos ou zinco, nas proximidades das habitações indígenas ou dentro mesmo das aldeias. Na maioria dos casos, as casas são iguais às casas dos índios, e normalmente a sala vive cheia de índios.

A história das missões evangélicas no Brasil:

O primeiro culto evangélico em terras brasileiras deu-se a 10 de março de 1557, no Rio de Janeiro. Outra tentativa evangélica foi graças aos holandeses no Nordeste, entre 1630 e 1654, até que foram expulsos pelos portugueses.
260 anos depois, veio a South America Indian Mission, em 1914. Logo vieram também a Unevangelized Fields Mission (UFM) (1931); a New Tribes Mission (1940), a Wycliffe Bible Translators / Summer Institute of Linguistics (1956) etc.
Em 1925, o batista Zacarias Campelo iniciou trabalho junto à comunidade Krahô (passando também pelos Xerentes), no atual estado do Tocantins. Foi um trabalho pioneiro, mas muito isolado e sem grandes influências no movimento missionário – tanto que só agora, os batistas estão produzindo seu primeiro Novo Testamento (aos Xerentes). A Missão Evangélica Caiuá veio logo depois, em agosto de 1928, com excelente serviço, mas sem grandes modificações no cenário geral das missões. Nenhuma dessas iniciativas poderia caracterizar, portanto, uma onda missionária. Essa onda vem lentamente, de uma série de fatores integrados:
§ Início de cursos específicos para campo indígena oferecido por New Tribes (1956) e SIL (1959, com dados oficiais a partir de 1973);
§ Com a entrada de brasileiros no rol de membros das missões estrangeiros, elas criaram razões sociais nacionais. Daí passarmos a ter: Missão Novas Tribos do Brasil (1949); Missão Evangélica da Amazônia (MEVA) e Missão Cristã Evangélica do Brasil (MICEB) (1959), ambas ramos da UFM;
§ Neil Hawkins, fundador da MEVA, iniciando curso de missões no Instituto Bíblico Palavra da Vida (São Paulo);
§ Fundação de missões brasileiras, como a Missão Evangélica dos Índios do Brasil (MEIB); Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM) (1982);
§ Juntas denominacionais e JOCUM (Jovens com uma missão) iniciando trabalho indígena.

A primeira instituição voltada principalmente para o preparo de líderes indígenas evangélicos deu-se com adaptação, em 1980, do Instituto Bíblico Cades Barnéa, sob direção da antiga South America Indian Mission, agora sem a palavra Indian em seu nome. Tem essa escola o índio Terena Jair de Oliveira como diretor. E a primeira missão ligada, ligada ao Cades Barnéa, com principalmente indígenas em seu rol de membros é a União das Igrejas Evangélicas da América do Sul (UNIEDAS). Em 1990, surgiu também a Organização da Missão da Tribo Tikuna do Alto Solimões (OMITTAS). Os tikunas formam o maior grupo indígena em termo de população no Brasil: 25.000 pessoas. Um de seus fundadores, o cacique Aldemício Bastos, a fim de ganhar mais preparo lingüístico-antropológico, fez um curso de lingüística e missiologia (1991), da ALEM, em Brasília.

Alguns resultados

Os missionários do SIL já completaram, pelo menos, a tradução do Novo Testamento para 13 diferentes nações indígenas brasileiras, com uma população estimada em 78 mil índios, além da produção de gramáticas e textos do folclore indígena. A tradução mais demorada foi para a língua dos Tikuna, no Amazonas, e levou 34 anos. As mais rápidas foram para as línguas dos hixkaryána, fronteira do Amazonas com o Pará, e dos palikur, norte do Amapá, 18 anos. Cada tradução leva em média 25 anos.

O custo total de cada tradução fica em torno de 600 mil dólares. Os treze novos testamentos devem ter consumido 7,8 milhões de dólares. Nos custos, naturalmente, está incluído o sustento dos missionários.
Cada Novo Testamento tem em média 932 páginas. Dois deles são bilíngües: em Karajá e em português, em manduruku e em português.

Em 1982, certo antropólogo iniciou sua pesquisa sobre os Araweté, cinco doutoras em lingüística pesquisaram a língua desse povo depois. E mesmo assim a escola indígena não conseguia nenhum sucesso, nem ajuda substancial destes estudiosos, a professora do grupo apelou para um missionário, para ser específico, o mesmo que teve o artigo rejeito acima, para ajudá-la a melhorar o programa escolar Araweté. Ficou muito claro que as pesquisas tiveram muito pouco valor para os índios. Assim, em três meses (final de 1999 a março de 2000), com base em seu próprio estudo, eles elaboraram um alfabeto e confeccionaram material preliminar de alfabetização no idioma indígena.
Segundo o missionário, o material coletado da pesquisa dos doutores padecia de limitação no básico: registro fonético.
Fica claro, o preconceito da Academia aos missionários e a necessidade de uma discussão mais franca.

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Última atualização em Qui, 02 de Abril de 2009 16:19
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