quinta-feira, 8 de junho de 2017

Quenianos asiáticos buscam tribo para chamar de sua

Muitos negócios em Nairóbi, como o Haria’s Stamp Shop, são de propriedade de quenianos asiáticos (Adriane Ohanesian para The New York Times)
NAIRÓBI, Quênia — O censo nacional do Quênia costumava incluí-los na categoria “outros”. Agora, os quenianos de origem indiana e paquistanesa, muitos deles descendentes de antepassados que ajudaram a construir o país, mas frequentemente excluídos da vida queniana, estão exigindo pela primeira vez o reconhecimento oficial.
Os “outros” querem se tornar o 44º grupo étnico do Quênia. Essa é, ao menos, a ambição de pessoas como Shakeel Shabbir, o primeiro parlamentar de origem asiática no Quênia, que apoia o nascente movimento que almeja a classificação dos quenianos asiáticos como grupo étnico. Diferentemente dos Kikuyu ou Kamba, os Maasai ou os Samburu, os quenianos asiáticos não pertencem a uma “tribo”, como o censo se refere aos grupos étnicos.
“Já estamos aqui há 100 anos”, disse Shabbir, cujo bisavô veio do Punjab, na Índia, em 1917, para trabalhar numa ferrovia britânica, chamada de “Linha dos Lunáticos” porque sua construção custou milhares de vidas. Seu avô combateu contra as forças coloniais britânicas e foi detido por sedição contra a rainha. “É nosso direito pedir isso”, disse ele. “Precisamos de um lar”.
O Quênia, país de 45 milhões de habitantes, é uma constelação de 43 afiliações étnicas. Normalmente, o reconhecimento enquanto tribo não traz vantagens específicas, a não ser no caso do povo Makonde, sem estado, cujo reconhecimento trouxe a cidadania.
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Shakeel Shabbir, membro do parlamento, defende que os quenianos asiáticos sejam classificados como o 44º grupo étnico do país (Adriane Ohanesian para The New York Times)
Para os quenianos asiáticos, não há qualquer ganho concreto ao se tornarem o 44º grupo, concordou Shabbir. Eles já têm cidadania e dinheiro, propriedades e negócios, a ponto de às vezes atrair o ressentimento de outros quenianos em situação pior. O que falta, disse Shabbir, é algo menos tangível: “Queremos compartilhar os sonhos e esforços do povo queniano”.
Sudhir Vidyarthi, um magnata do ramo editorial, disse que os quenianos asiáticos vivem tão isolados da sociedade que a única prova de sua existência é “um terreno de um acre onde vivem com uma placa dizendo: cuidado com o cão”. É uma referência à ideia segundo a qual os asiáticos, conhecidos pela fortuna, são alvo de ladrões.
Serem considerados uma “tribo” é “sentir-se parte integrante do sistema”, disse Shabbir.
Os interesses étnicos são tão preponderantes no Quênia que alguns temem que o país jamais consiga construir uma identidade nacional comparável à da vizinha Tanzânia, cujo pai fundador, Julius Nyerere, foi capaz de agregar 120 grupos étnicos numa sociedade coesa.
As divisões étnicas no Quênia têm raiz na política britânica colonial de dividir para governar. Membros dos grupos étnicos Kikuyu e Luo, mais numerosos, trabalhavam para os britânicos como administradores e servidores civis. Atualmente, eles compõem boa parte da elite do país: o presidente Uhuru Kenyatta é Kikuyu; seu adversário nas eleições presidenciais, Raila Odinga, é Luo.
A constituição do Quênia exige que o governo inclua funcionários de diferentes origens étnicas. Mas a regra raramente é seguida. Para colher os benefícios da filiação étnica, é necessário pertencer à tribo que está no poder. Tal proximidade pode trazer acordos de negócios, empregos ou vagas para os filhos em instituições de ensino estrangeiras.
Os políticos “hipnotizam primeiro a própria tribo, e então calculam quais outras devem seduzir para alcançar o poder”, disse Ekuru Aukot, advogado e presidente da Aliança Terceira Via, um partido nascente que busca desmontar o que ele descreve como “etnicidade negativa”.
Assim como os indianos no subcontinente às vezes descrevem seus conterrâneos em termos de castas ou lugar de origem, muitos quenianos associam estereótipos aos conterrâneos de outros grupos étnicos. Dependendo do ponto de vista, os Kikuyu são descritos como negociantes astutos ou desonestos. Os Luo são considerados intelectuais, mas também “gostam de uma briga”, de acordo com Isaac Motuku, membro do grupo étnico Kamba, que ele disse com orgulho ser considerado “esforçado”.
A autora Rasna Warah disse que ser uma queniana asiática significa ter três identidades: nascida na África, com ascendência indiana, herdando o legado colonial britânico.
“Os asiáticos não deveriam jogar o mesmo jogo tribal”, disse Rasna. “Somos quenianos ou não somos. Onde fica minha pátria? Isso é tudo que tenho”.

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