Por Ronaldo Lidório | |
Neste capítulo tenciono expor alguns marcadores da identidade social do homem brasileiro e propor associações com os processos de evangelização e pastoreio do mesmo, pressupondo que o conhecimento do homem em seu determinado contexto coopera para a construção de uma comunicação hábil, viável e fértil. O homem, sociologicamente, é um ser composto. Isto significa que sua identidade é definida por diversas realidades e elementos como sua origem, história, etnia, religião e família. Enquanto a sociologia o define como um ser fundamentalmente social a psicologia o vê como um indivíduo autoconsciente e a filosofia o conceitua como um ser moral e racional, como expunha Hegel1 . Para a teologia, o fato de ser espiritual o distingue de toda a criação. Este ser complexo deve, portanto, ser observado por lentes antropológicas que nos ajudem a perceber seus valores e padrões de comportamento visto que cada sociedade humana se agrupa e organiza de uma maneira única e distinta. A observação do homem brasileiro nos ajudará a identificar suas associações, ou seja, as realidades e valores com os quais se sente associado, que o atrai e o define. Hiebert já pontuava que tal observação seria útil para qualquer processo que envolva movimento social como o evangelismo, educação e projetos comunitários2. Os marcadores da identidade social brasileira Creio que, culturalmente, o homem brasileiro se define socialmente ao redor de 10 elementos construtores de sua identidade que são: parentesco, simbolismo, sincretismo, diversidade, personalismo, existencialismo, objetividade, status social, globalização e urbanização. Na observação do parentesco as famílias alemãs, por exemplo, são tipicamente nucleares: pai, mãe e filhos definem o principal nível relacional e de responsabilidade, com aproximação não intensificada em relação aos outros membros. Famílias africanas normalmente são estendidas, havendo correlação (com intensa responsabilidade) entre todos os seus membros, mesmo os mais distantes, e conseqüente formação clânica. A família brasileira, de forma geral, se posiciona entre estas duas realidades. Se por um lado o modelo nuclear é adotado em uma perspectiva formal há forte correlação com certa dose de responsabilidade com outros membros do grupo de parentesco, especialmente se estes habitam nas imediações. Desta forma o homem brasileiro, apesar de não se encontrar em um posicionamento de parentesco tipicamente africano, estendido, está longe de transitar pelo modelo puramente nuclear alemão. Conseqüentemente poderíamos afirmar que os modelos eclesiásticos que se propõe a lidar com a família de forma mais ampla encontrariam aí um terreno fértil para trabalhar: grupos familiares, reuniões nos lares, utilização da teia de relacionamentos familiares, modelos de evangelização entre parentes, encontros de casais, projetos definidos por faixa etária de membros da família (infância, adolescência...) serão, dentre outras iniciativas, sempre bem aceitos. Uma Igreja-Família talvez seja, no contexto brasileiro, uma boa abordagem com possibilidades de frutos duradouros. O modelo da Igreja-Indivíduo praticado hoje na Europa, no qual cada indivíduo é abordado de forma distinta, tem sido motivado pelo individualismo europeu, contexto bem distinto do brasileiro. O modelo (e seus derivados) da Igreja-Estrutura difundido na América do Norte pode inicialmente encontrar boa ressonância em nosso meio pois gera uma estrutura (física, ministerial e de apoio) facilitadora do ajuntamento, adoração e relacionamento, inclusive familiar. Porém, creio que após certo crescimento, seu enraizamento e estabilidade tornam-se comprometidos se paralelamente não houver um foco familiar e relacional3. Devemos entender que, apesar de utilizarmos um modelo de ajuntamento bem sucedido em outra sociedade, devemos adaptá-lo à sociedade brasileira com suas características e demandas. O parentesco e estrutura familiar não devem ser esquecidos tanto nos processos evangelizadores quanto no pastoreio4. Observo que boa parte do pastoreio eficaz em nosso país se dá no âmbito familiar e não individual. Relacional e não conceitual. Nas nuances dos problemas e vitórias da vida e não nos gabinetes. Desta forma, em nosso país, pastoreia-se não apenas o indivíduo mas seus relacionamentos. O sincretismo brasileiro advém principalmente (apesar de não exclusivamente) da religiosidade de seus integrantes históricos que aqui passaram a conviver e partilhar suas crenças desde 1500. Formou-se assim uma sociedade que valoriza a religiosidade e suas expressões, altamente mística e sobretudo sincrética, em que Religião e Estado são assuntos interligados. Tal sincretismo procede de diversos fatores, sobretudo da diversidade étnica formadora do homem em nosso país que, em geral, não se define como um europeu-indígena-africano mas sim como um brasileiro, o resultado de uma mistura racial e cultural que gerou uma identidade única e distinta. Paralelo à miscigenação racial segue-se o sincretismo religioso5. Desta forma toda expressão religiosa que esteja em sintonia com a miscigenação racial histórica dos primórdios encontrará aqui aceitação, como o catolicismo, o cultos afro, espiritismo, protestantismo, a magia e o animismo. Assim a evangelização cristã dogmática e confessional encontra claramente uma barreira natural: a tolerância religiosa gerada pelo sincretismo em que toda religiosidade é, ou deve ser, aceita e jamais questionada. Um taxista carioca possui a flexibilidade necessária para conversar com representantes dos principais segmentos religiosos brasileiros produzindo um diálogo de concordância, e o faz com naturalidade, como fruto do contexto sincrético em nosso país. Neste contexto sociocultural é necessário que a Igreja Evangélica Brasileira comunique de forma bem clara seus pilares de fé pois os conceitos utilizados semanticamente em nossas mensagens, como igreja, evangelho e salvação, já possuem uma vasta e flexível interpretação na religiosidade sincrética de nosso país. É necessário proclamarmos o evangelho como se apresenta na Palavra, como uma verdade única, Cristocêntrica, enraizada na Palavra e que não abre mão da Verdade em prol de uma atitude religiosamente conciliadora, ecumênica ou politicamente correta. Pensando na sociedade de forma estrutural concluiremos que nosso sistema comunitário não permite muita mobilidade social. Não somos estáticos como a Índia com suas castas pré-definidas mas o preconceito e os marcadores de status social impossibilitam uma maior mobilidade como pode ser vista na Austrália em que os flancos relacionais são mais flexíveis. Os marcadores de status social são os elementos que colocam o homem em uma escala de importância em seu grupo. No Estados Unidos da América o principal elemento definidor do status social é o poder. No Japão a honra (ligada sobretudo ao parentesco) e no Brasil o dinheiro. Ou seja, em nosso país uma pessoa ou família é automaticamente identificada na escala social de seu grupo a partir, prioritariamente, de sua riqueza. O preconceito primário que exercemos no Brasil, desta forma, não é racial mas sim social. Não se inclui ou exclui pessoas de determinado círculo pela cor da pele, sobrenome ou origem mas sim por sua riqueza, seja sua presença ou ausência. É importante identificarmos a força de tal marcador de status social em nosso país a fim de observarmos que, de certa forma, as igrejas evangélicas (bem como outras) tendem a valorizar as famílias ricas, como fruto de nossa estrutura social histórica, muitas vezes preterindo dons e talentos preciosos que podem ser usados no Reino de Deus. É certo, porém, que o homem brasileiro não é uma ilha. A influência da globalização produziu diversos frutos sociais e culturais. Dois deles são o existencialismo e a urbanização. A geração rural, com suas características provincianas, já foi predominante em nosso país. Os homens com mais de 50 anos de idade que povoam as capitais brasileiras, em boa parte, possuem uma forma rural de pensar e viver. Seus pais ou eles mesmos, na infância, transitaram em contextos rurais e de lá extraíram seus valores e dinâmica social. A fazenda ainda é um marco não apenas de lembranças mas de valores em tal geração. A geração que nasceu nas metrópoles, porém, possui outra referência onde os valores urbanos definem a vida, o sucesso e a família. Seus males (estresse, competitividade, hiper aglomeração humana e outros) geram as enfermidades da presente geração. Suas possibilidades e benefícios (acesso a diversas formas de educação, ascensão social, diversidade, acesso à tecnologia e descobertas) são os fatores atrativos. Evangelizar ou pastorear um homem de 50 anos de idade que teve sua raiz na fazenda e um jovem de 28 anos que já nasceu na metrópole são tarefas bem distintas e devem ser encaradas como tal. Enquanto o primeiro há de valorizar a tradição o segundo se atém ao dinamismo. Se o primeiro é atraído pelos valores históricos o segundo se sentirá atraído pela argumentação e explicação de tais valores, em uma característica urbanizada apologética. Enquanto o primeiro resistirá a mudanças e inovações, o segundo transitará tranqüilamente por elas. Particularidades relacionais nos ajuntamentos humanos no Brasil Em nosso país o homem se ajunta em quatro principais formatos sociais que chamaremos aqui de populações urbanas, suburbanas, rurais e tribais. Esta tem sido uma forma quase universal de observar as particularidades relacionais a partir dos ajuntamentos humanos. Compreender suas particularidades relacionais contribuirá para o desenvolvimento de uma comunicação aceitável em seu meio. Abordá-los sem a devida observação e interpretação social penalizará todo e qualquer processo de adaptação pessoal ao meio, aceitação social bem como comunicação no desenvolvimento de qualquer projeto, seja ele de origem social ou de evangelização. Ricardo Agreste, com a iniciativa do Centro de Treinamento de Plantadores de Igrejas6 juntamente com outros preciosos consultores tem estimulado um plantio de igrejas a partir de profunda compreensão sociocultural. Compreender os grupos sociais com os quais trabalharemos ajudará, e muito, nossa abordagem bem como reações às barreiras naturais encontradas. Populações urbanas são normalmente mais cautelosas em relação àqueles que não pertencem ao meio. Formam agrupamentos com ênfase na privacidade, trabalho e eventos seletivos, a pequenos grupos. Os símbolos de status são de extrema relevância e identificam as classes sociais e econômicas de forma linear e hierárquica. As tribos urbanas formadas normalmente por jovens entre os 15 a 25 anos que nasceram ou cresceram nas metrópoles ou grandes centros seguem tendências próprias e geram grupos fechados, por afinidade. O ponto de afinidade pode ser a moda, a atitude rebelde (ou distinta) ou ainda o interesse pelo mesmo estilo musical. Plantadores de igrejas devem observar que sua penetração em tais grupos se dá apenas a partir de uma base relacional com um ou alguns de seus membros. Esforços evangelísticos devem ser direcionados, específicos e não gerais, visto o perfil distinto entre os diversos segmentos. Um ponto de apoio, uma família ou membro do grupo social alvo, deve ser utilizado para que o evangelho seja apresentado em um ambiente de maior confiança e aceitação. Populações suburbanas são normalmente estruturadas com base na família e mais abertas ao relacionamento com os de fora. O nível de privacidade é menor e tendem a se encontrar e relacionar de maneira mais informal nas praças, ruas e comércio. São abertas à presença de igrejas que se envolvam com a comunidade na tentativa de minimizar suas necessidades sociais. O plantador de igrejas deve morar entre eles e tornar-se um deles. Envolver-se em seus programas sociais e comunitários. O esforço evangelístico pode ser mais geral, a todo o grupo, a partir de um ambiente central que crie uma atmosfera de aconchego. Populações rurais normalmente demonstram maior amabilidade com o de fora de seu meio, porém maior desconfiança. Ao passo que a hospitalidade é um valor precioso e aplicável, que insere o outro em seu meio, a desconfiança os mantém interiormente distantes. São mais tradicionais e apegados a seus valores comunitários e religiosos, o que deve gerar barreiras evidentes à evangelização. O esforço evangelístico deve ocorrer a partir das famílias chaves que fazem parte da tradição comunitária. É necessário se estabelecer entre eles e participar dos eventos rurais. Populações tribais são exclusivistas impondo maior restrições quanto aos de fora de seu meio. Possuem normalmente barreiras étnicas como língua e cultura distintas e assim o critério para inserção e aceitação do outro na sociedade local é mais lento e complexo. Este processo envolve adaptação pessoal, envolvimento comunitário, fluência lingüística e aquisição cultural. Eles são tradicionais e identificarão, em um primeiro momento, qualquer expressão religiosa evangelística como sendo alienígena ao seu ambiente e cosmovisão. O esforço evangelístico deve ocorrer a partir da inserção no grupo, do aprendizado da língua, da cultura e da compreensão de sua cosmovisão quanto aos valores e elementos vitais para a exposição do evangelho como pecado, perdão e salvação. Em um Brasil diverso como o nosso lidaremos com populações urbanas, suburbanas, rurais e tribais. Identificá-las e abordá-las de acordo com seu perfil social será de grande ajuda para uma boa comunicação, adaptação e conseqüente transmissão do evangelho. Ajuda-nos também observar o próprio enraizamento do movimento evangélico em nosso país, com seus valores e mazelas a fim de fazermos uma autocrítica que nos leve à reflexão e cuidado7. Uma pesquisa sociocultural de relevância precisará identificar algumas áreas chaves no grupo a ser estudado. Abaixo um método incipiente que pode lhe ajudar, que chamaremos aqui de Urbanos - questionário sugestivo básico para análise sociocultural. Tenha em mente, entretanto, a necessidade de definição de área a ser pesquisada, o objetivo central da pesquisa (ou seja, para que fim se destina) e o processo de análise da mesma: a forma como os dados lhe ajudarão a conclusões relevantes ao seu projeto. Com isto em mente siga adiante. Urbanos – pesquisa sociocultural Desenvolvi este incipiente método para uma análise básica de um ajuntamento humano urbanizado, seja em uma zona rural, suburbana ou urbana, em uma área específica, bairro ou cidade. O objetivo do método Urbanos é ajudá-lo a dimensionar o perfil humano com o qual você atuará ou no qual aplicará determinado projeto. Para uma pesquisa étnica específica, se for o caso, sugiro a utilização do método Antropos22. Antes de começar a pesquisa observe os seguintes passos: a) Primeiramente junte todo o material que possa ser coletado sobre o grupo ou área a ser pesquisada como mapas, informações estatísticas, textos e artigos, teses, pesquisas prévias mesmo em áreas específicas como saúde e educação, censo demográfico e pesquisas de mercado. Leia e catalogue este material arquivando-o de forma compreensível. Sugiro que o faça por pastas, como: a) mapas e estatísticas; b) artigos e teses; c) pesquisas e entrevistas. b) Realize uma leitura geral do questionário sugestivo marcando os pontos nos quais você possui um bom material de estudo que possa prover resposta. Sugiro usar a cor verde para estes pontos. Marque também, em vermelho, aqueles que (inicialmente) não são aplicáveis ao grupo ou segmento social que você estuda. Em amarelo aqueles que demandam maior pesquisa. Assim, você terá neste primeiro momento um questionário marcado e selecionado em cores (verde, amarelo e vermelho). c) Leia novamente, cuidadosamente, o questionário sugestivo, fazendo agora um link entre cada ponto (nas perguntas) e o material já coletado e arquivado nas pastas. Se estiver usando o computador insira um “comentário” com o devido link. Se estiver usando o questionário sugestivo a partir do texto impresso anote o link a cada ponto, ao lado da folha. Tais links lhe ajudarão a lembrar o material a consultar para um aprofundamento maior naquela questão. Por exemplo, na questão 2 vocês pode acrescentar um link da seguinte forma, se for o caso: Ver mapa 3, pasta “mapas e estatísticas” – observar a distribuição do bairro Don Elder e ausência de comércio nas imediações, com conseqüente uso da praça 15 de outubro como ponto de apoio da população do referido bairro para comércio, banco e correios. Ver também as conclusões da pesquisa de mercado do grupo Alfa para a instalação de um supermercado nas imediações: pasta “pesquisas e entrevistas”. Observar as entrevistas 35 e 36 com moradores do bairro. d) Desenvolva uma abordagem de pesquisa que possa tornar esta metodologia aplicável. O intuito de uma metodologia de pesquisa é identificar e dimensionar a verdade factual, ou seja, descobrir, estudar e analisar dados verdadeiros que nos levem a abordagens relevantes. Sugiro 4 diferentes abordagens quando no estudo de um dado social: a analítica, axiomática, correlativa e explicativa especialmente para dados sociais mais complexos. Se desejar ler mais a respeito encontrará descrição destas abordagens no texto “Antropologia Cultural” – www.antropos.com.br . Há três instrumentos de pesquisa, no entanto, que são essenciais nesta pesquisa: Coleta de dados, visitas e entrevistas, questionário sugestivo. O questionário em si, sem uma boa coleta de dados, visitas nos locais de pesquisa e entrevistas, não representará a verdade sobre um grupo ou fato social. É necessário sair do gabinete e ir para as ruas. Inicie a composição das respostas nas perguntas marcadas em verde (aquelas sobre as quais você crê dispor de boas respostas e material de referência) em ordem metodológica que organizamos numericamente de 1 a 15. Em um segundo momento as amarelas (que demandarão maior pesquisa de sua parte) serão também respondidas. Com tais dados em mãos você poderá passar à análise e conclusões, que lhe levará a perceber não apenas o perfil do grupo humano com o qual trabalha mas suas nuances, particularidades, vias de comunicação e abordagem. Havendo dificuldade de análise, procure ajuda para a compreensão dos resultados e aplicabilidade a partir da pesquisa realizada. A seguir o questionário direcionador: Apresentação da pesquisa Pesquisador: Local da pesquisa: Data do início da pesquisa: Tempo de pesquisa: Recurso humano envolvido na pesquisa: Área a ser pesquisada (grupo social, bairro, área ou etnia): Número de entrevistas realizadas: População aproximada (quantidade de famílias que povoam a área a ser pesquisada): 1. Descreva a sua área de pesquisa, como bairros, ruas, grupos sociais e assim por diante. A intenção neste primeiro ponto é levá-lo a dimensionar sua área de pesquisa, de forma prática e compreensível para você. Uma pesquisa ampla demais poderá não ser aplicável. 2. Descreva de forma breve sua visão geral de atuação com este grupo ou área a ser pesquisada. A seguir uma visão escrita por um pastor que utilizou o presente método em um bairro na cidade do Rio de Janeiro: Plantar uma igreja bíblica, missionária e contextualizada entre a população do presente bairro, que venha a contribuir de forma relevante para a minimização da carência social (educacional e de inclusão social) entre o grupo, mostrando o valor transformador do Evangelho a partir de onde este é exposto. 3. Descreva 4 principais alvos a serem implementados no grupo ou área pesquisada. Podem ser alvos gerais ou específicos. Se necessário, justifique-os. Estes passos lhe ajudarão em um planejamento de trabalho. 4. Descreva (e registre com fotos localizando também no mapa) o tipo de moradia preferencial utilizada pelos habitantes da área pesquisada. Prédios unitários, prédios em condomínios abertos ou fechados, casas unitárias, casas em condomínio aberto ou fechado, casas em ambiente de aglomeração, palafitas e assim por diante. 5. Descreva (e registre com fotos localizando também no mapa) o tipo de estrutura de trânsito comunitário presente na área pesquisada. A intenção neste ponto é perceber as vias de acesso (por onde as pessoas transitam) na área pesquisada. Descreva e marque pontos como ruas, avenidas, praças, áreas abertas, áreas de lazer, pontos de transporte como ônibus, metrô, estacionamentos etc. 6. Pesquise a composição da população que habita a área de interesse. Através de visitas e entrevistas (munido com um questionário básico que você pode preparar) identifique a composição da população, pelo menos nas seguintes áreas: a) origem de contexto (rural, suburbana, urbana), b) classe social (de acordo com o rendimento familiar), c) grau de escolaridade média, d) atividade e produção (área de trabalho e interesse por área de trabalho), e) religião professada, f) origem racial (normalmente apenas observada, não perguntada objetivamente), g) atividades de lazer. 7. Identifique os pontos de serviço e comércio, e onde estão localizados na área pesquisada. Portanto: mercados e supermercados, correios, estações de vigilância ou policial, postos de saúde e hospitais, escritórios e comércio em geral, pontos de venda em ambientes abertos, áreas de trabalho e repartições, fábricas e assim por diante. A intenção neste ponto é perceber onde se encontram os pontos que prestam serviço à comunidade pesquisada. 8. Identifique os pólos de estudo e ensino. Tais como: escolas, cursos em geral, faculdades, centros de treinamento, assim por diante. Neste ponto você observará o interesse da população em relação ao desenvolvimento de atividades. Também perceberá se é uma população focada na subsistência (trabalho), no estudo preparatório (universitário, por exemplo) e assim por diante. Este perfil social será de grande proveito para a avaliação das abordagens aos grupo. 9. Identifique (e descreva, além de localizar também no mapa e registrar com fotos) os pólos de ajuntamento religioso na área pesquisa. Igrejas, mesquitas sinagogas etc (pontos de influência religiosa como templos, e social como projetos sociais sob iniciativa religiosa, como centros e educação e saúde); centros religiosos informais (em atividade em terreiros, casas etc) e pontos de atuação religiosa volante (como iniciativas evangelizadoras ou de cunho social realizada por religiosos em ruas, albergues, orfanatos etc). Descreva de forma a dimensionar o grau de influência na sociedade e nas moradias ao redor. Se possível visite os principais pólos de ajuntamento observando este grau de influência. Se o seu projeto for evangelizador ou de plantio de igrejas, observe o grau de presença influenciadora de igrejas e iniciativas evangélicas na área pesquisada, o que deve incluir ajuntamentos e cultos, ações evangelísticas e visitas, projetos sociais e assim por diante. 10. Identifique os pólos de apoio social como orfanatos, asilos, creches, penitenciárias e grupos de apoio. Estes lidam com a camada social que necessita de apoio específico. Não se esqueça de ligar este e os outros pontos pesquisados com o material coletado, estudado e catalogado nas pastas: a) mapas e estatísticas; b) artigos e teses; c) pesquisas e entrevistas. A análise dos dados dependerá não apenas de sua pesquisa objetiva mas do cruzamento de informações, impressões, pesquisas e conclusões. 11. Identifique os segmentos sociais e raciais presentes na população ou área pesquisadas. Tais como judeus e árabes, indígenas ou comunidades negras (que venham a viver de maneira mais isolada do restante); os grupos de afinidade e as chamadas tribos urbanas. Descreva os 2 ou 3 principais segmentos sociais ou raciais que se destacam na área pesquisada, se for o caso. Link e estudo artigos, notícias veiculadas ou teses a respeito de tais grupos. É de vital importância identificar, se for o caso, a presença de grupos excluídos na população observada. 12. Prepare uma projeção visual com três áreas de compreensão: espaço, tempo e interesse. Você pode fazer isto desenhando três mapas bem elaborados. No primeiro (espaço) prepare uma projeção visual (ou mapa) dos dados de localização adquiridos até o momento marcando (use cores distintas) onde a população habita, por onde transita, onde estuda, onde comercializa, onde trabalha, onde cultua e assim por diante. Ou seja, esta projeção deve evidenciar onde as pessoas se aglomeram. Em uma segunda projeção visual marque os ciclos de tempo, ou seja, onde a população está a cada dia da semana e mês do ano. O centro da cidade, por exemplo, pode ser um local de intensa atividade nos dias comerciais e tornar-se um ambiente esvaziado nos finais de semana. Nesta época talvez as praças, praias e outros pontos tornem-se os mais freqüentados. A intenção aqui é observar as aglomerações humanas a partir em relação à mobilidade temporal. A terceira projeção visual (ou mapa) deverá identificar as áreas de interesse da população. Em algumas áreas pesquisadas você poderá encontrar uma população centrada no interesse do trabalho, ou do estudo, ou do lazer. Algumas áreas irão demonstrar populações interessadas sobretudo na religiosidade e assim por diante. Neste caso as aglomerações estarão ligadas a centros ou espaços destinados a estes fins. Com estas três mostragens visuais (espaço, tempo e interesse) você terá um ‘raio x’ do grupo ou área que estuda e poderá direcionar seu projeto ou abordagem de acordo com a configuração da população na qual atua. Este é um momento que requer o desenvolvimento de conclusões mais complexas e, se for o caso, procure ajuda especializada para fazê-lo. 13. Identifique as áreas de carência social e humana na comunidade ou população pesquisada. Nesta altura você terá um conhecimento suficiente para identificar as áreas de real carência social e humana tais como inclusão social de grupos marginalizados, apoio em áreas básicas como saúde, educação e subsistência etc. Descreva 5 áreas de gritante carência social na população pesquisada e esboce possíveis atuações de relevância que possam vir a minimizá-las ou curá-las mesmo que este não seja seu projeto principal. Em Boston, por exemplo, alguns projetos evangélicos identificaram o apoio ao imigrante como a principal área de carência social entre brasileiros naquela cidade. Tal identificação nos levará a prestar atenção, e esboçar esforços de cooperação, nas áreas que efetivamente geram sofrimento humano. Ou pelo menos estar a par de tais processos de sofrimento. 14. Analise e identifique os segmentos da população, ou áreas comunitárias, onde você pretende implementar seu projeto. Ou seja, tendo agora em mente a diversidade social, humana, racial, comercial, estudantil e religiosa na área de pesquisa, estude o seu projeto e analise a possibilidade de implementação do mesmo a partir das características encontradas. Este é um momento de dimensionamento e direcionamento do seu projeto, em que julgará se o mesmo se aplica a todo o grupo ou um segmento específico do mesmo. 15. Desenvolva as abordagens para implementação do seu projeto de acordo com as características do grupo alvo. Dentro das escolhas ou possibilidades concluídas no ponto anterior, passa-se agora ao desenvolvimento das abordagens. Sugiro ler o texto “Plantado igrejas”9 se este for o projeto a ser implementado. Em todo caso abordagem é a maneira distinta e objetiva como se desenvolve e aplica uma verdade ou proposta a uma pessoa ou grupo. Segue-se depois com as ferramentas, que são os instrumentos de abordagem. É necessário, portanto, desenvolver as abordagens perante cada alvo descrito no ponto 3. Procure ajuda, se for o caso, para o desenvolvimento destas abordagens e leia estudos de caso e projetos em andamento10. Algumas observações quanto à comunicação em contexto brasileiro Como vimos a sociedade brasileira é profundamente diversificada racial e socialmente. Por outro lado possui alguns marcos definidores de sua identidade social fazendo com que o homem brasileiro possua elementos unificadores de forma geral, mesmo em agrupamentos distintos como os urbanos, suburbanos e rurais. Já as sociedades tribais indígenas são únicas e freqüentemente distintas lingüística e culturalmente havendo, porém, alguns poucos (mas constantes) traços unificadores visto nossa procedência cultural e conseqüente miscigenação com tais grupos. De forma geral, portanto, podemos observar que o homem brasileiro possui o que chamarei aqui de perfil cultural. Utilizá-lo cooperará para falarmos sua língua e dialogarmos em sua cultura. Uma sociedade contadora de histórias Devido ao longo processo de miscigenação entre segmentos culturais que valorizam e utilizam o simbolismo para transmitir valores e construir a identidade grupal nos tornamos uma sociedade gravemente simbólica e contadora de histórias. Apesar do uso proporcional do hemisfério esquerdo, mais analítico, do cérebro, o homem brasileiro se comunica amplamente utilizando seu hemisfério direito, global, através de histórias contadas e vividas. O ensino conceitual, de desenvolvimento e exposição de valores, dissociado de uma abordagem simbólica, cultivará resultados pífios na população geral. Observo que o processo educacional no indivíduo, quando prolongado, pode atenuar esta característica e assim quanto menos escolarizado for o segmento social brasileiro mais simbólico ele tende a ser. Isto se explica pela moldura analítica da educação formal brasileira. Não é por acaso que as novelas, mini-séries e contos fazem extremo sucesso e transmitem ensino (seja ele qual for) à nossa população. Não é também por acaso que os professores mais bem sucedidos são aqueles que utilizam simbolismo (histórias, ilustrações, associações com a vida diária) para se comunicar. Da mesma forma os pregadores que mais interagem com o público utilizam um expediente freqüentemente simbólico nas explicações das Escrituras, facilitando a compreensão do valor, do conceito, bem como sua aplicação. Sociedades com forte presença de simbolismo dificilmente observam um valor a partir dele mesmo mas sim a partir dos fatos da vida. Em qualquer projeto de comunicação, sobretudo para a parcela da população brasileira menos influenciada pelo intelectualismo resultante da educação formal prolongada, é necessário e saudável a utilização intencional de simbolismo. Se desejamos comunicar bem e de maneira marcante precisamos nos tornar contadores de histórias. Em uma sociedade judaica altamente marcada pelo simbolismo Jesus utilizou tal expediente para uma perfeita comunicação. Falou sobre valores e verdades profundas e complexas como o Reino, Salvação, Soberania, Céu e Inferno. Porém o fez de forma compreensível através de parábolas, comparações com a vida diária, utilizou elementos com os quais lidavam no dia a dia como a lamparina, o sal, o peixe e o trigo. Sua intenção, porém, não era apenas comunicar a um grupo em sua geração mas dar a este grupo ferramentas para que pudesse comunicar tais verdades a outros grupos, fora daquele círculo geográfico e de geração em geração. Certa vez, convidado a falar sobre diversidade cultural em contexto de equipes interculturais para um grupo formado por latinos, maioria brasileiros, e europeus, com maioria alemã, era notável a maneira como cada um tinha sua atenção voltada para partes diferentes da mesma palestra. Quando me prolongava na explicação técnica de um conceito os europeus tinham sua atenção cativa e anotavam enfaticamente o que se dizia. Tal atenção caía quando me punha a ilustrar algum conceito através de história ou fato da vida. Neste momento os latinos, porém, tinham sua atenção cativa e freqüentemente estes eram os pontos mais comentados entre eles após a exposição. Aprendemos de forma diferente por sermos culturalmente distintos. Se desejamos expor conceitos bíblicos ou humanos à sociedade brasileira é necessário observar de perto o segmento com o qual iremos interagir, distinguir suas nuances e desenvolver a abordagem e método de comunicação lembrando que o homem brasileiro, seja ele urbano ou rural, é um ser contador de histórias e aprende através delas. Uma sociedade relacional Todo ser humano é um ser relacional. Algumas sociedades, porém, valorizam mais ou menos a privacidade e exposição individual, o que nos faz enxergar esta distinção na forma como se aproxima do seu próximo. Algumas sociedades também possuem distintas maneiras de construir o parentesco, o que se reflete diretamente na extensão do círculo com o qual o homem se associa e relaciona. O homem brasileiro, de forma mais ou menos acentuada, é um homem com acentuada definição relacional. O relacionamento humano não apenas é utilizado para se organizar e sobreviver no grupo como também para desenvolver idéias e solucionar problemas. Enquanto sociedades mais axiomáticas resolvem seus conflitos a partir da razão (direitos, certezas, argumentações) o homem brasileiro tende a resolver seus conflitos a partir do relacionamento e em meio a ele. O alvo, portanto, não é prioritariamente chegar-se à verdade objetiva (onde está a verdade, a razão) mas sim manter os relacionamentos. Tal comportamento é observado também em sociedades africanas e possivelmente este traço relacional reforçado seja, no homem brasileiro, em parte uma herança cultural africana. Tais sociedades, mais acentuadas no quesito relacional, tendem a corromper valores em prol dos relacionamentos, o que promove o declínio moral. Por outro lado tende a humanizar conceitos e decisões racionais que possam preterir outros de dignidade. Poderíamos dizer que tal sociedade buscará mais a dignidade do que a justiça. Trabalhar em uma sociedade que privilegia o relacionamento evoca a necessidade de o valorizarmos no desenvolvimento de uma boa comunicação. Desta forma pastores serão mais ouvidos pela maneira como interagem com a comunidade do que pela retórica nos púlpitos. Líderes serão mais observados nos corredores do que nas salas de reuniões. Jamais iremos dissociar o comportamento privado do comportamento público. O homem brasileiro, portanto, é um ser complexo que necessita ser observado antes de devidamente abordado. Compreendê-lo, seus elementos construtores de identidade social, bem como seu perfil cultural, irá ajudá-lo a comunicar de forma que faça sentido e possa ser traduzido para seu dia a dia evitando que o Evangelho pregado seja recebido apenas como uma mensagem para quem o transmite, um conceito alienígena para o homem de nossa geração em nosso país. [1] Laraia, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989 [3] Ver Vicedom, George. A missão como obra de Deus – Introdução à teologia da missão. São Leopoldo: Sinodal/IEPG, 1996 [4] Ver Lévi-Strauss, Claude.As estruturas elementares do parentesco – O intercâmbio restritivo. Petrópolis: Vozes, 1982 [5] Ver Nicholls, Bruce J. Contextualização: Uma teologia do evangelho e cultura. São Paulo: Vida Nova, 1983 [7] Ver Leonildo Campos em seu livro Teatro, Templo e Mercado – Organização e Marketing de um Empreendimento Neopentecostal. São Bernardo do Campo/Petrópolis: UMESP/Vozes, 1997 |
FONTE: http://instituto.antropos.com.br/
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