sexta-feira, 28 de abril de 2017

Conheça a falsa banana ensete, alimento típico na Etiópia

Um tukul, a cabana tradicional etíope, com uma plantação de ensete na estrada para Boricha, na Região das Nações e Nacionalidades dos Povos do Sul da Etiópia (Foto: Giselle Paulino/ÉPOCA)
Um tukul, a cabana tradicional etíope, com uma plantação de ensete na estrada para Boricha, na Região das Nações e Nacionalidades dos Povos do Sul da Etiópia (Foto: Giselle Paulino/ÉPOCA)

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Quem olha para essa planta de aparência tropical, com caule suculento e folhas largas verdes e brilhantes, pensa que se trata de uma bananeira comum, apenas sem os cachos da fruta paradisíaca. Ainda que pertença à mesma família musácea de nossa banana comestível, a ensete (Ensete ventricosum) é muito mais que uma simples herbácea. Nativa da Etiópia, a falsa banana ou banana-da-abissínia oferece uma fibra muito usada pela população do sul do país – até mesmo para construir casas –, possui propriedades medicinais e é a base da alimentação de quase 10 milhões de pessoas que vivem na região.
Em 1640, o padre português Jerônimo Lobo viajava pela antiga Abissínia e descreveu a ensete como “uma árvore peculiar do país” que, quando preparada para comer, “lembrava o nabo.” A planta passou a ser chamada “árvore dos pobres”, embora fosse consumida também pelos ricos. Seu outro nome é “árvore contra a fome”, já que todos aqueles que plantavam a espécie não corriam o risco de não ter o que comer. Com uma ensete no quintal, sempre há alimento.
Vimos plantações de ensete pela primeira vez em uma comunidade Dorze, na Região das Nações e Nacionalidades dos Povos do Sul da Etiópia (RNNPS) que, como o nome sugere, abriga mais de 50 diferentes etnias concentradas no vale do Rio Omo, perto das fronteiras do Quênia e do Sudão do Sul. Essas tribos, como Mursi, Hammer, Karo, Tsemay ou Arbore, representam alguns dos últimos exemplos de povos nativos africanos que ainda vivem com pouca influência ocidental e mantém seus costumes e tradições.
A etnia Dorze vive nas montanhas, a 3.000 metros de altitude, a algumas dezenas de quilômetros de Arba Minch. A principal característica da comunidade são suas casas construídas a partir de bambu e “folhas de bananeira”, ou o que pensávamos ser uma bananeira. Chegando a atingir 10 metros de altura, apesar da aparência frágil, as cabanas podem durar até meio século.
A etnia Dorze habita as montanhas e usa as folhas secas de ensete para construir suas casas (Foto: Haroldo Castro/ÉPOCA)
As cabanas do povo Dorze podem atingir 10 metros de altura e são sempre rodeadas com plantas de ensete (Foto: Haroldo Castro/ÉPOCA)






































Além de abrigar a (extensa) família etíope, a casa feita com folhas de banana tem espaço suficiente para acolher animais domésticos da família, como bezerros, cabras e bodes. Não há problema em conviver com os animais, pois, segundo o povo Dorze, estes ajudam a manter o calor no interior das casas. Vistas à distância, as cabaninhas parecem uma família de elefantes, tanto pela cor acinzentada como pela forma ondulada.
Mas foi apenas um ano mais tarde, durante uma pesquisa de campo com o povo Sidama, também na RNNPS, que fomos compreender a importância dessa planta para a segurança alimentar e nutricional da Etiópia. Embora pareça paradoxal, a Etiópia é um país rico em biodiversidade com grande diversidade genética de culturas como cevada, milhete, sorgo, gergelim, moringa ou linhaça, além de possuir espécies nativas como o tef e a ensete. Relatos de exploradores do século 16 dão detalhes da riqueza do país e da beleza das montanhas cobertas por uma, então, vegetação exuberante. 
No entanto, de acordo com o World Resource Institute, atualmente apenas 4% da vegetação nativa restou no país. Um dos motivos desse verdadeiro colapso foram os séculos de governos autoritários e exploratórios que obrigaram os agricultores a entregarem parte de suas produções e a pagar taxas abusivas à aristocracia da época. Essas medidas forçaram a população a viver em situação de pobreza extrema na qual as únicas alternativas eram avançar com a agricultura sobre as terras virgens e cortar a madeira das florestas para serem processadas e vendidas como carvão.
O livro publicado pelas universidades da Flórida e de Hawassa Ensete: The tree against hunger mostra que, no passado, a falsa banana espalhava-se por todo o território etíope, mas hoje é encontrada apenas na RNNPS e em alguns lugares ao redor do Lago Tana, nas montanhas Simien e no sul da Eritreia.
Cena típica rural etíope, com a sempre presente plantação de ensete ao fundo  (Foto: Giselle Paulino/ÉPOCA)



















Variedades selvagens da ensete também podem ser encontradas na Ásia, em alguns países da África Subsaariana e em Madagascar. No entanto, apenas na Etiópia a planta foi domesticada em uma escala maior. Alguns historiadores e antropólogos acreditam que esse processo pode ter começado há cerca de 10 mil anos.
Durante a fome que atingiu o país em 1983 e 1984, as comunidades que cultivavam ensete em suas roças conseguiram superar com menos dificuldades os terríveis meses de seca. A planta é capaz de resistir a períodos de estiagem. Ao mesmo tempo, quando a chuva cai com violência, sua vasta folhagem ajuda a proteger o solo das enxurradas, evitando a perda de nutrientes e a consequente erosão.
Nos arredores de Hawassa, a capital da RNNPS, o cenário rural é composto pelos tradicionais tukuls, cabanas circulares de palha, nas quais a eletricidade ainda não chegou. Na região, todo tukul está sempre rodeado por uma plantação de falsa banana. Foi lá que aprendi a importância do kocho, alimento parecido a um pão produzido a partir da ensete e principal componente da dieta da região. “Comemos kocho de manhã, na hora do almoço e no jantar. Não podemos viver sem ensete”, diz Mikael Babe, agricultor de Boricha.
Mikael Babe em sua plantação de ensete. Ele come kocho três vezes ao dia e todos os dias ao ano  (Foto: Giselle Paulino/ÉPOCA)


Para preparar o kocho é preciso extrair a polpa do pseudocaule não lenhoso da falsa banana e enterrar a massa por cerca de 12 a 15 dias para que um processo de fermentação aconteça. Após esse período, o produto é retirado do buraco cavado no solo, hidratado, amassado e assado dentro de uma folha da própria ensete. O ritual vem se repetindo por muitas gerações.
Jovem retira a polpa da falsa-banana de seu pseudocaule com ajuda de um pente artesanal que separa o futuro alimento da fibra (Foto: Haroldo Castro/ÉPOCA)
Depois de fermentada por 12 a 15 dias, a massa do kocho é hidratada e amassada como um pão (Foto: Giselle Paulino/ÉPOCA)
Depois do kocho tomar a forma de um pão achatado, ele é assado sobre uma placa quente, dentro de uma folha de ensete (Foto: Haroldo Castro/ÉPOCA)



























































Toda a produção de ensete é destinada ao consumo próprio local. Quando uma família está sem a planta, basta recorrer ao vizinho e pedir emprestado alguns caules ou até mesmo encontrá-la na feira local. Nessas regiões onde os agricultores vivem exclusivamente do que produzem, plantar os alimentos básicos é uma prioridade, principalmente quando se trata de áreas vulneráveis a períodos de seca e riscos de situações de fome, como é o caso da Etiópia e de outros países da África Subsaariana.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a ensete produz mais alimento do que a maioria dos cereais. Estima-se que uma plantação com 50 pés de falsa banana, ocupando apenas cerca de 300 metros quadrados, possa alimentar diariamente uma família de cinco a seis pessoas. Um simples pé de ensete rende, durante seu ciclo, cerca de 40 quilos de kocho.
Outro benefício da planta é que os campos de ensete são adubados por compostos orgânicos feitos a partir dos excrementos de animais domésticos. Esse procedimento contribui com a fertilidade do solo e ajuda a aumentar a capacidade da terra em absorver a água da chuva. Como o cultivo de ensete acaba melhorando a qualidade do solo, sua produção tem sido contínua por séculos a fio.
Para nós ocidentais, não acostumados com comidas fermentadas, o kocho pode parecer pesado e de gosto estranho. Mas na zona rural de Hawassa, a polpa da ensete está presente todos os dias nos pratos dos camponeses.

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