Mostrando postagens com marcador antropologia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador antropologia. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 28 de junho de 2021

FORMAS DE CUMPRIMENTOS ENTRE POVOS - Evanildo Bechara



É assunto por demais palpitante o que se relaciona com as fórmulas e gestos de cumprimento e saudação entre vários povos que habitam este orbe terráqueo. Além de não fugir muito de nossa matéria, o que se vai ler oferecerá a alguns leitores uma série de curiosidades sobre o tema proposto.

Nem todos os aspectos das fórmulas e gestos serão aqui tratados; nem tampouco estas linhas pretendem ser a última palavra, nem têm sombra de ostentar o luxo de coisas inéditas.

 

É opinião corrente que as mais antigas maneiras de saudação seriam aquelas que consistiam em se lançar ao chão em sinal de inferioridade a quem cumprimentava. Assim procedem ainda hoje povos orientais e tribos selvagens.

Com o correr do tempo, foram substituídas pelo durativo ou momentâneo ajoelhar, pela curvatura demorada ou rápida do tronco e da cabeça, com as quais se indicava, simbolicamente, o intuito de submissão.

 

Este segundo gesto com rapidez é completamente estranho para nós outros brasileiros, e muito espalhado entre alemães e pela Europa. Tenho observado que entre nós, quando há intimidade, se costuma indicar o encontro com duas pessoas conhecidas fazendo-se uma ligeira suspensão das sobrancelhas, sinal talvez de agradável surpresa da presença do amigo. O costume de cumprimentar tirando o chapéu da cabeça parece ter-se originado do fato de, nestes atos de curvar a parte superior do corpo humano, a sua cobertura tender a cair. O indivíduo então se preparava, trazendo-a à mão. O gesto naturalmente agradou a todos pela sua simplicidade e comodidade, e veio a desbancar o seu concorrente na sociedade moderna, embora não se desprezando de todo o hábito primitivo que se especializou para as circunstâncias mais respeitosas. O descobrir a cabeça nestas situações parece ter-se tornado comum aí pelos séculos XVI ou XVII.

 

Quanto ao beijo, o assunto exige mais complexidade. Este gesto é assaz antigo como exteriorização de nosso afeto e carinho a um ente querido.

Só quando há mais familiaridade ou parentesco próximo é que se ajunta o beijo ao cumprimento. E em países onde as imagens de santos são veneradas com ósculo, o beijo passou a ser sinal de respeito. Este respeito nasceria também do amor puro.

 

Neste particular, é bom que se note que os gregos refletem em seu vocabulário a íntima relação entre amar e beijar. Da mesma maneira procedem os países eslavos. J.J. Nunes, citando R. Kleinpaul (Volkspsychologie, 36), nos lembra de que o sérvio “Ijubiti” significa ambas as coisas, e “Rukulibám” ou “beijo-lhe as mãos” é uma delicadeza e todos os dias se ouve aos tchecos. E mais. Quem não se recordará, neste instante, do fecho de respeito das cartas em espanhol?: “q.s.m.b”, iniciais que querem dizer: “que su mano besa”?

 

Permita-me o leitor abrir aqui um parêntese: os romanos tinham três denominações para o ato de beijar: osculumbasium e savium. Pretendeu-se afirmar que os escritores davam sentido particular a cada um destes vocábulos. Segundo alguns estudiosos, osculum demonstrava amizade, basium significava amor, savium expressava prazer.

 

Tal não revela, entretanto, a prática dos literatos latinos. Catulo, dirigindo-se à sua Lésbia, usa de basium onde deveríamos esperar, conforme o pretendido axioma, savium:

“Da mihi basia mille, deinde centum.

Dein mille altera, deinde secunda centum,

Deinde usque altera mille, deinde centum,

Dein, cum milia multa fecerimus,

Conturbabimus illa, ne sciamus,

Aut nequis malus individere posit,

Cum tantum sciet esse basiorum.”

(1,v)

E assim estes versos foram traduzidos pelo nosso correto Francisco Otaviano:

“Dá-me um beijo, portanto, e cem, e centos, 

E estes centos repete mais cem vezes;

E quando for mui longa, perturbemos

Essa conta dos beijos... Pode a inveja,

Se os somar todos, nos lançar maus olhos!...”

O beijo, como sinal de amor e afeição, não é somente dado nos lábios. Se esta é a forma habitual, não implica isto que seja a única. Varia também entre as comunidades o número de beijo na face, de um, dois (entre nós) a quatro, como fazem, por exemplo, os holandeses.

E fechemos sem mais demora o parêntese.

Os gregos, ao verem chegar um amigo, ou quando o encontravam, ou ainda quando dele se despediam, exclamavam “Kaire” (Alegra-te!). Os romanos, ao aproximar-se, diziam “Ave” (Seja saudado!); quando se retiravam “vale” (Fique com saudade!).

Os israelitas, aos conhecidos mais íntimos, beijam-se uns aos outros na mão, na cabeça e ombro. A sua habitual forma de saudação é “Cholem Alechem” (pronuncie-se Xalém Aléque, que significa Paz convosco!).

 

Lancemos nossas vistas para a culta Alemanha. Em algumas terras, daí, faz parte das boas maneiras beijar a mão às senhoras.

 

A diferença de seita religiosa implica quase sempre diferença nas fórmulas de saudação. Assim, enquanto a Alemanha protestante usa de “Guten Morgen! Ihr Diener!” (ao pé da letra: Bom dia! Seu criado!), por sua vez, a Alemanha católica serve-se de “Gelobt sei Jesus Christus!”, expressão recomendada pelo papa Benedito XIII, por volta do ano de 1728, além de outras variações regionais. A tais cumprimentos se respondia com “In Ewigeit, amem!” (literalmente: Em eternidade, Amém).

 

Na sociedade moderna, a forma de despedida difere da primeira saudação, e o mais idoso diz: “Gott befohlen! (Encomendado a Deus), “adieu”. E muitas vezes, a própria pessoa que se despede: “Empfehle mich!”(o que em bom português clássico significaria “Encomendo-me”, e na linguagem moderna, “Recomendo-me”).

 

Homens que dedicam mutuamente grande amizade se saúdam com o beijo, por quase todas as terras da Europa. Na despedida, alguns povos usam beijo na boca.

Na Inglaterra, porém, o beijo só era permitido com os parentes mais chegados.

 

Quanto ao beija-mão, na Itália só era dado fazê-lo aos amigos muito íntimos; na Rússia, por sua vez, as damas respondiam ao beija-mão de um cavalheiro com um beijo na testa.

 

O inglês saúda a alguém com o já conhecido “How do you do?”, “Good-Bye!” (redução que a linguagem coloquial fez da expressão “God be with ye”, antiga fórmula de despedida. Frequente em Shakespeare era “God buy you”. Abreviadamente, temos também “God buy”, ainda “b’w’y”), “Farewell”.

 

Semelhantemente, o holandês “Vaar well!”, o sueco “Farval!”, os franceses “Bonjour! Au plaisir!” (de vous revoir), os espanhóis “Buenos días! Adios! Hasta la vista!”, os italianos “Buon Giorno! Addio! A riverderci”. Em Portugal adeus (= a Deus) é a saudação tanto para o encontro como para a despedida; no Brasil, principalmente na cidade, só se usa para a despedida. Outra forma de despedida é o tchau, este mais moderno. O tchau, tão difundido entre nós brasileiros, na despedida, chegou-nos por influxo do italiano ciao, forma reduzida de schiavo, “escravo”, correlata a formas de cumprimento do tipo de seu servo.

 

Os turcos entrecruzaram os braços, batendo-os contra o peito, e curvam a cabeça. O árabe vulgar diz “Aleikum essalem” (Paz convosco). Os indus, em Bengala, tocavam a testa com a mão direita e curvavam a cabeça para a frente. Quando desejavam juntar ao ato uma demonstração de profunda reverência, colocavam primeiro a mão direita no peito, depois tocavam com ela o chão e, por fim, a testa, e, ao mesmo tempo, chamavam a si escravo submisso da pessoa a quem saudavam.

 

Em Ceilão, os súditos atiravam-se ao chão diante do superior que passava, e murmuravam, continuamente, o nome e título do superior.

Em geral, a maior parte das maneiras de saudação, no Oriente, e principalmente na Magnólia, tinha um cunho de pensar de escravo, modernamente, é claro que a influência do contato com outros povos tenha feito significativa mudança em tais maneiras.

 

Na China, quando duas pessoas a cavalo se encontravam, o inferior descia do animal e deixava passar o superior. No Japão, o inferior tinha de tirar a sandália diante do superior, enfiar a mão direita na manga da esquerda e descer vagarosamente os braços até o joelho e caminhar compassadamente diante do outro com gestos terríveis, exclamando “Auk! Auk!” (Não me faça mal!).

 

Entre os africanos civilizados, os abissínios caíam de joelho e beijavam a terra; os mandingas, ao saudarem uma mulher, pegavam-lhe a mão chegavam-na até o nariz e cheiravam-na duas vezes...

 

Os egípcios estendiam a mão, colocavam-na sobre o peito e curvavam a cabeça.

 

Entre os povos menos civilizados do mundo antigo, por exemplo, os camulcas, anamitas, em Nova Guiné, Taiti, ilhas Sandwich, da Sociedade e dos Amigos, era muito  espalhado o mútuo e insistente cheirar e juntar os narizes, esfregando-os um de encontro ao outro ou ainda com os lábios, e um forte ato de respiração.

Nas ilhas dos Navegadores, isto se dava com pessoas de igual condição. O inferior esfregava o próprio nariz e cheirava então a mão do outro. Semelhantemente procediam os habitantes das ilhas Sunís e Fidji.

 

E para terminar, a mais curiosa saudação que conheço: os tibetanos deitavam a língua para fora e faziam caretas arreganhando os dentes, e coçavam as orelhas.

Neste momento em que enfrentamos uma pandemia e precisamos evitar sair de casa pela saúde de todos, deixamos temporariamente de lado os cumprimentos calorosos próprios do nosso povo. O brasileiro, sempre muito criativo, já criou outros tantos cumprimentos à distância para evitar contato físico, mas sem deixar de transmitir o carinho que sente pelo próximo. E mantermos o isolamento necessário neste momento só deixa clara nossa solidariedade e a preocupação com o coletivo, para que em breve possamos voltar a nos encontrar pessoalmente e nos cumprimentar efusivamente da forma como estamos acostumados.

 

Texto publicado no jornal Mundo Português e na revista Na ponta da Língua, originalmente em duas partes: 16/8/1991 e 23/8/1991.]


Via https://www.ediouro.com.br/blog/cumprimentos-entre-povos



quinta-feira, 8 de junho de 2017

Quenianos asiáticos buscam tribo para chamar de sua

Muitos negócios em Nairóbi, como o Haria’s Stamp Shop, são de propriedade de quenianos asiáticos (Adriane Ohanesian para The New York Times)
NAIRÓBI, Quênia — O censo nacional do Quênia costumava incluí-los na categoria “outros”. Agora, os quenianos de origem indiana e paquistanesa, muitos deles descendentes de antepassados que ajudaram a construir o país, mas frequentemente excluídos da vida queniana, estão exigindo pela primeira vez o reconhecimento oficial.
Os “outros” querem se tornar o 44º grupo étnico do Quênia. Essa é, ao menos, a ambição de pessoas como Shakeel Shabbir, o primeiro parlamentar de origem asiática no Quênia, que apoia o nascente movimento que almeja a classificação dos quenianos asiáticos como grupo étnico. Diferentemente dos Kikuyu ou Kamba, os Maasai ou os Samburu, os quenianos asiáticos não pertencem a uma “tribo”, como o censo se refere aos grupos étnicos.
“Já estamos aqui há 100 anos”, disse Shabbir, cujo bisavô veio do Punjab, na Índia, em 1917, para trabalhar numa ferrovia britânica, chamada de “Linha dos Lunáticos” porque sua construção custou milhares de vidas. Seu avô combateu contra as forças coloniais britânicas e foi detido por sedição contra a rainha. “É nosso direito pedir isso”, disse ele. “Precisamos de um lar”.
O Quênia, país de 45 milhões de habitantes, é uma constelação de 43 afiliações étnicas. Normalmente, o reconhecimento enquanto tribo não traz vantagens específicas, a não ser no caso do povo Makonde, sem estado, cujo reconhecimento trouxe a cidadania.
04_OTHER2
Shakeel Shabbir, membro do parlamento, defende que os quenianos asiáticos sejam classificados como o 44º grupo étnico do país (Adriane Ohanesian para The New York Times)
Para os quenianos asiáticos, não há qualquer ganho concreto ao se tornarem o 44º grupo, concordou Shabbir. Eles já têm cidadania e dinheiro, propriedades e negócios, a ponto de às vezes atrair o ressentimento de outros quenianos em situação pior. O que falta, disse Shabbir, é algo menos tangível: “Queremos compartilhar os sonhos e esforços do povo queniano”.
Sudhir Vidyarthi, um magnata do ramo editorial, disse que os quenianos asiáticos vivem tão isolados da sociedade que a única prova de sua existência é “um terreno de um acre onde vivem com uma placa dizendo: cuidado com o cão”. É uma referência à ideia segundo a qual os asiáticos, conhecidos pela fortuna, são alvo de ladrões.
Serem considerados uma “tribo” é “sentir-se parte integrante do sistema”, disse Shabbir.
Os interesses étnicos são tão preponderantes no Quênia que alguns temem que o país jamais consiga construir uma identidade nacional comparável à da vizinha Tanzânia, cujo pai fundador, Julius Nyerere, foi capaz de agregar 120 grupos étnicos numa sociedade coesa.
As divisões étnicas no Quênia têm raiz na política britânica colonial de dividir para governar. Membros dos grupos étnicos Kikuyu e Luo, mais numerosos, trabalhavam para os britânicos como administradores e servidores civis. Atualmente, eles compõem boa parte da elite do país: o presidente Uhuru Kenyatta é Kikuyu; seu adversário nas eleições presidenciais, Raila Odinga, é Luo.
A constituição do Quênia exige que o governo inclua funcionários de diferentes origens étnicas. Mas a regra raramente é seguida. Para colher os benefícios da filiação étnica, é necessário pertencer à tribo que está no poder. Tal proximidade pode trazer acordos de negócios, empregos ou vagas para os filhos em instituições de ensino estrangeiras.
Os políticos “hipnotizam primeiro a própria tribo, e então calculam quais outras devem seduzir para alcançar o poder”, disse Ekuru Aukot, advogado e presidente da Aliança Terceira Via, um partido nascente que busca desmontar o que ele descreve como “etnicidade negativa”.
Assim como os indianos no subcontinente às vezes descrevem seus conterrâneos em termos de castas ou lugar de origem, muitos quenianos associam estereótipos aos conterrâneos de outros grupos étnicos. Dependendo do ponto de vista, os Kikuyu são descritos como negociantes astutos ou desonestos. Os Luo são considerados intelectuais, mas também “gostam de uma briga”, de acordo com Isaac Motuku, membro do grupo étnico Kamba, que ele disse com orgulho ser considerado “esforçado”.
A autora Rasna Warah disse que ser uma queniana asiática significa ter três identidades: nascida na África, com ascendência indiana, herdando o legado colonial britânico.
“Os asiáticos não deveriam jogar o mesmo jogo tribal”, disse Rasna. “Somos quenianos ou não somos. Onde fica minha pátria? Isso é tudo que tenho”.

domingo, 24 de julho de 2016

Suicídio indígena: entenda como povos e antropólogos da Amazônia avaliam o ato

Foto: Divulgação/Gcom-MT

MANAUS – O suicídio indígena vai além das estatísticas divulgadas pelos órgãos de Segurança Pública na Amazônia. A atitude é complexa e envolve questões sociais, culturais e cosmologias que vão além do conhecimento da sociedade. Segundo antropólogos, para alguns povos indígenas, a morte não encerra a existência humana. Entre as causas para o suicídio indígena estão paixões, encantamentos e rupturas culturais sob um contexto de perda de território e direitos.
“Temos debates para mostrar a complexidade e a dimensão profunda de todo o aspecto que envolve [o suicídio indígena] e que está situada em cosmologias indígenas pouco conhecidas, por isso a tendência é projetar o nosso drama do suicídio para estas sociedades”, explica o antropólogo Gilton Mendes, coordenador da mesa-redonda sobre “Suicídio entre os Povos Indígenas” promovida pelo Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (Neai) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), nesta quarta-feira (29).
Mesa-redonda promovida pelo Neai. Foto: Izabel Santos/Portal Amazônia

Na opinião de Mendes, trata-se de um fenômeno complexo que preocupa, de modo geral, pelas concepções da sociedade não-indígena. “Mas outras sociedades também têm esse fenômeno de forma bastante diversa”, acrescenta.
Ataque de espíritos e paixões
A tese de doutorado da antropóloga da Universidade Federal do Pará (UFPA), Beatriz Matos, abordou o suicídio por ataques de espíritos entre os matsés. O povo vive na terra indígena do Vale do Javari, a maior do Brasil e com maior concentração de povos isolados.
Entre as razões apontadas pela pesquisa, está a impossibilidade de realização de um importante ritual de iniciação masculina. “Nesse ritual, que começava na aldeia, os espíritos levavam os jovens para a floresta onde ele era completado. Com a chegada dos missionários, a prática foi interrompida”, conta. Homens e mulheres participavam do ritual, mas o protagonismo era masculino. De acordo com relatos dos matsés, a tradição foi interrompida na década de 1970. “Com isso, os espíritos começaram a atacar os jovens e a provocar o que nossa sociedade chama de suicídio”, explica.
Os jovens ‘atacados’ relatam que tinham a visão do espírito de um parente já falecido, que aparecia quando eles estavam sozinhos e os levava para a floresta. “Quem viu, relata que no momento desses ataques os jovens corriam mata a dentro”. Alguns eram resgatados, mas outros não tinham o mesmo destino.
Na avaliação da antropóloga do Museu Nacional, Luisa Belaúnde, os suicídios também são homicídios provocados por espíritos, mas também um problema de saúde pública. Luisa cita o aspecto das paixões ou encantamentos que levam os indígenas à atitude. “As causas podem ser o alcoolismo, a presença de missionários e a desintegração familiar, mas isso tudo acontece em um pano de fundo de perda de território e direitos”, diz.
“É realmente um problema de saúde pública, mas talvez a aproximação a partir da saúde pública, que procura as causas, e que tenta formular políticas de prevenção, não esteja suficientemente aberta para compreender as razões histórias e políticas do sofrimento ao qual muitos povos indígenas estão atualmente submetidos”, opina.
Como exemplo sobre os encantamentos, a antropóloga cita os kaxinauá, que habitam a fronteira entre o Peru e o Brasil, no Acre. Segundo relatos, os caçadores desse povo estão sujeitos a um encantamento pelo olfato. “Quando eles estão na floresta eles sentem um cheiro semelhante ao de um animal, então eles se encantam, ficam apaixonados por esse cheiro. Voltam para a aldeia e ficam com o olhar perdido, deixam de reconhecer os seus parentes e passam a comer terra. Por fim, acabam se matando”.
Luisa também cita as meninas tikuna, que vivem na fronteira entre Peru, Equador e Colômbia. E compara a situação a dos matsés no Javari, onde a prática tem a ver com a quebra da tradição do ritual da menina nova, que marca a transição da infância para a vida adulta. “Nesse ritual a menina fica sentada por várias horas, tem os cabelos arrancados e fica ouvindo os conselhos dos mais velhos, mas ele não é só isso. Durante o ritual ela aprende a ter paciência, a resistir a dor e a não se deixar enganar pelos espíritos, que também participam do ritual e tentam enganá-la”, explica a antropóloga. Sem o ritual, a menina tikuna não aprende a se defender e se deixa enganar pelas pessoas erradas.
“Ele [o suicídio] é mais comum entre as meninas que frequentam a escola, conhecem rapazes por quem não deveriam se apaixonar e acabam se desiludindo”, explica. “Por isso é um homicídio espiritual. É como se os espíritos ficassem com raiva e levassem a essa atitude”, explica. A maioria dos suicídios acontecem por enforcamento. As meninas que sobrevivem, alegam que não estavam atentando contra a própria vida, dizem que foram induzidas, que viram parentes já mortos e que pediam que elas cometessem o ato.
Os suruwaha e o timbó
Os suruwaha vivem na calha do rio Juruá, no Amazonas. São um grupo único com cerca de 150 pessoas praticamente isoladas. O único contato que têm é com funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai). No entanto, a maioria das mortes entre este povo decorre de suicídio por envenenamento com timbó, uma raiz usada para envenenar a água e matar peixes. “Existem mortes por doenças e incidentes com animais, mas são poucas”, explica o antropólogo Miguel Aparicio, autor da obra ‘Presas del Veneno. Cosmopolítica y Transformaciones Suruwaha’.
O antropólogo descreve os indígenas como um povo coeso e de boa memória. “Se você perguntar, eles são capazes de descrever o tataravô da terceira geração e com quem era casado e tudo mais”, revela. Entre estas memórias, está o primeiro suicídio, ocorrido em 1930.
As razões para a atitude não são claras. Os primeiros contatos com os suruwaha datam de 1920. “Eles sofreram com as expedições de seringalistas e conseguiram voltar ao isolamento em 1930. Somente em 1980 eles voltaram a ser contatados, e por causa da pressão madereira na região”, explica Aparicio. 

sábado, 28 de novembro de 2015

Ilha Sentinela do Norte e seu povo hostil e intocado




É difícil acreditar que existem pessoas neste mundo que não sabem sobre a internet ou sobre telefones celulares.
Porém, ainda existem tribos que estão completamente à parte da civilização global e não mantêm qualquer tipo de contato com o mundo exterior.
Com quase 60 mil anos de idade, a Ilha Sentinela do Norte é uma parte das ilhas de Andaman e Nicobar, que fica no Oceano Índico, entre Mianmar e Indonésia. Lá, é o local onde existe uma das tribos mais isoladas do planeta.
Os sentinelenses são tão hostis ao contato externo que a ilha foi considerada o lugar mais difícil para se visitar no mundo. Os sentinelenses parecem ser descendentes diretos dos primeiros seres humanos que surgiram a partir da África. A quantidade de habitantes ainda não pode ser certificada, mas estima-se que ela gire em torno de 40 e 500 nativos.


Não importa o caráter do visitante, ao chegar às margens da ilha, seja de propósito ou por acidente, os moradores recebem o intruso quase sempre da mesma forma: com lanças e flechas, em posição de ataque. Presentes como alimentos e roupas não têm importância para eles. Essa hostilidade chegou a ponto dos nativos terem resistência no recebimento de missões de salvamento após o tsunami em 2004.
No momento em que o tsunami desastroso atingiu o Oceano Índico, um grupo de socorristas ofereceu ajuda para os sentinelenses, por meio de um helicóptero da marinha indiana. Eles queriam encontrar e ajudar os sobreviventes, embora as chances fossem pequenas. Tentaram descer pacotes de comida para o chão, mas foram recebidos com a hostilidade dos moradores, inclusive um guerreiro sentinelense emergiu da selva densa e atirou uma flecha tentando atingir o helicóptero.
Não se sabe muito sobre esse povo tribal: a sua linguagem é estranha e seus hábitos desconhecidos. Suas moradias estão escondidas na mata fechada, por isso não se tem nenhuma pista sobre como eles vivem. Tudo o que se sabe é que os sentinelenses são caçadores e coletores, pois eles não cultivam nada, a princípio. Eles vivem de frutas, peixes, tubérculos, porcos selvagens, lagartos e mel.



A Índia tem a soberania sobre Sentinela do Norte, mas acredita-se que as pessoas dessa ilha sequer sabem o que é a Índia. Depois de várias tentativas fracassadas de fazer contato amigável, o governo indiano finalmente se afastou e fez com que todas as visitas à ilha fossem proibidas. A Marinha da Índia impôs uma zona de proteção de 3 milhas para manter os turistas, exploradores e outros intrometidos à distância. Encontros acidentais ainda ocorrem e nenhum deles termina bem.
Há várias histórias de horror de como os sentinelenses têm tratado seus convidados: a maioria das pessoas retorna da ilha aterrorizada e ferida. Em 1896, um fugitivo das prisões britânicas da Andamans ficou à deriva no mar e acabou indo para as margens da ilha por acidente. Poucos dias depois, um grupo de busca encontrou o seu corpo em uma praia, perfurado por flechas e com a garganta cortada. Em 1974, um grupo foi até lá para fazer um documentário e o diretor do filme acabou sendo ferido por uma flecha na perna.

O antropólogo indiano T.N. Pandit realizou diversas viagens patrocinadas pelo governo para Sentinela do Norte no final dos anos 80 e início dos anos 90. "Às vezes, eles viram as costas para nós e se sentam em seus quadris como se fossem defecar", disse ele. "Isso é um símbolo de insulto para eles, já que não éramos bem-vindos”.
Surpreendentemente, houve apenas um caso em que uma pessoa de fora não enfrentou uma recepção agressiva. Em 4 de janeiro de 1991, um grupo de 28 pessoas composto de homens, mulheres e crianças, se aproximou com Pandit e sua comitiva. "Foi inacreditável como eles se apresentaram ao nosso encontro voluntariamente", disse ele. "Eles devem ter decidido que havia chegado a hora de entrar em contato com outras pessoas".

Infelizmente, o último contato com os habitantes da ilha, em 2006, não foi tão bem como se esperava. Dois pescadores foram mortos, enquanto pescavam ilegalmente dentro da faixa de proteção da ilha.
Os sentinelenses estão entre as últimas comunidades que vivem sem contato com a globalização. Talvez seja melhor deixá-los da forma como está, pois trazê-los para a civilização pode ser algo extremamente maléfico. Afinal, eles podem não ser imunes a várias doenças existentes nos dias de hoje e pode ser extremamente complicado se adaptarem ao mundo moderno.


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Conheça a diversidade linguística ao redor do mundo - que países possuem mais línguas?


A maior parte do mundo tem uma diversidade de idiomas muito maior do que a presença de grande idiomas nacionais sugere

Apesar da ideia de que o inglês é falado nos EUA, o chinês na China e o russo na Rússia, a maior parte do mundo é muito mais diversa do que a presença de grande idiomas nacionais sugere. Na verdade, países monolinguísticos são difíceis de encontrar. A tabela abaixo mede a diversidade linguística de duas maneiras diferentes: o número de idiomas falados no país e o índice Greenberg de diversidade, que dá nota aos países baseado na probabilidade de que dois cidadãos compartilhem uma mesma língua mãe.
Estados Unidos, Rússia, Brasil, China e México têm mais de 100 idiomas cada, mas marcam relativamente poucos pontos no índice de diversidade, porque o inglês, o russo, o português, o chinês e o espanhol cresceram a um nível no qual ameaçam destruir as muitas e minúsculas línguas nativas. Em contraste, a rivalidade linguística e a relativa pobreza impediu que uma única língua dominasse países como a Índia e a Nigéria, que marcam muitos pontos no índice de diversidade.
A geografia é um fator adicional. As muitas ilhas da Indonésia e das Filipinas abrigam uma grande variedade de línguas, apesar de serem países com renda-média. A pobreza e a geografia se unem para tornar o Congo e a Papua Nova-Guiné os países com maior diversidade linguística no mundo.

Clique na imagem para ampliar

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Antes que eles deixem de existir: 29 tribos e culturas que resistem aos nossos tempos

Jimmy Nelson
Lucina Ribeiro -   http://papodehomem.com.br
Vi essas fotos primeiro no IdeaFixa e, logo depois, no Hypeness. Achei realmente incríveis as imagens, mas senti falta de um pouco mais de informação sobre aqueles que estavam sendo retratados. Quais eram aquelas culturas? Como pensavam aquelas pessoas? De onde vieram? Não que fosse um problema dos respectivos sites que serviram de fonte – já que a proposta deles é exatamente mostrar o apelo estético e criativo –, mas aquilo despertou em mim uma certa curiosidade motivada por um pequeno insight:
A cada dia, morre um último integrante de uma cultura.
Com isso, nunca mais vamos poder saber o que essa cultura sabia, nunca mais vamos poder beber de todo um universo de conhecimentos e sabedorias que foram úteis e garantiram a sobrevivência desse grupo. E, sejamos humildes, temos muito o que aprender e lembrar, baseados nestes velhos mitos e tradições.
Jimmy Nelson é um fotógrafo que decidiu tomar para si a missão de registrar diversos grupos que estão desaparecendo com o contato com os dias de hoje.
Ele viajou o mundo com o objetivo de conhecer tribos e culturas ameaçadas de extinção. São 15 milhões de pessoas em 29 tribos.
Traçou uma jornada percorrendo os territórios da Etiópia, Indonésia, Papua Nová Guiné, Quênia, Tanzânia, Nova Zelândia, Mongólia, Sibéria, Nepal, China, Vanuatu, Argentina, Equador, Namíbia, Índia, Sibéria e a Península de Chukotka.
Encontrou com representantes de tribos CazaquesHimbaHuliAsaro, Kalam, Goroka, Chukchi,Maori, Mustang, Gauchos, Tsaatan, Samburu, Rabari, Mursi, Ladakhi, Vanuatu, Tibetanos, Huaroani, Drokpa, Dassanech, Banna, Karo, Hamar, Arbore, Dani, Yali, Korowai, Nenets e Maasai.
O resultado foi um documentário (cujo primeiro episódio está no Youtube) e um livro chamadoBefore They Pass Away, com informações e fotografias dos povos visitados.
Escolhi abaixo uma foto de cada, indicando qual é a tribo, de onde ela é e com uma tradução de citações das respectivas culturas, coletadas pelo Jimmy Nelson.

Cazaques (Cazaquistão)

Kazakh
“Bons cavalos e águias fortes são as asas dos Cazaques”

Himba (Namíbia)

himba
“Não comece um cultivo com gado, comece um cultivo com pessoas.”

Huli (Papua-Nova Guiné)

huli
“O conhecimento é só um rumor até que ele esteja nos músculos.”

Asaro (Papua-Nova Guiné)

asaro

Kalam (Papua-Nova Guiné)

kalam

Goroka (Papua-Nova Guiné)

goroka

Chukchi (Península de Chukotka)

"A forma como você trata seu cachorro determina seu lugar no paraíso."
“A forma como você trata seu cachorro determina seu lugar no paraíso.”

Maori (Nova Zelândia)

maori
“Minha linguagem é o meu despertar, minha linguagem é a janela para minha alma.”

Mustang (Nepal)

mustang
“Aquele que sente culpa tem a voz mais alta.”

Gauchos (Argentina/Equador)

gauchos
“Um gaucho sem um cavalo é apenas um meio homem.”

Tsaatan (Mongólia)

tsaatan
“Se não existissem renas, nós não existiríamos.”

Samburu (Quênia/Tanzânia)

samburu
“Um ouvido surdo encontra-se com a morte, um ouvido que ouve encontra-se com bênçãos.”

Rabari (Índia)

"É de manhã, não importa quando você acorde."
“É de manhã, não importa quando você acorde.”

Mursi (Etiópia)

mursi
“É melhor morrer do que viver sem matar.”

Ladakhi (Índia)

ladakhi
“A terra é tão severa e os desfiladeiros tão numerosos que apenas os melhores amigos ou piores inimigos visitariam você.”

Vanuatu (Vanuatu)

vanuatu
“Garotas são como galhos de árvore de urtiga – em qualquer solo que as plante, elas vão crescer.”

Tibetanos (Tibet)

"É melhor ouvir uma vez do que ouvir muitas."
“É melhor ouvir uma vez do que ouvir muitas.”

Huaroani (Argentina/Equador)

"Como nossos ancestrais viveram, assim vamos viver. Como nossos ancestrais morreram, assim vamos morrer."
“Como nossos ancestrais viveram, assim vamos viver. Como nossos ancestrais morreram, assim vamos morrer.”

Drokpa (Índia)

drokpa

Dassanech (Etiópia)

dassanech
“Um amigo próximo pode se tornar um inimigo próximo.”

Banna (Etiópia)

banna

Karo (Etiópia)

karo

Hamar (Etiópia)

hamar

Arbore (Etiópia)

arbore

Dani (Indonésia/Papua-Nova Guiné)

"Se a mão não faz nada, a boca não mastiga."
“Se a mão não faz nada, a boca não mastiga.”

Yali (Indonésia/Papua-Nova Guiné)

yali

Korowai (Indonésia/Papua-Nova Guiné)

korowai

Nenets (Sibéria)

nenet
“Se você não beber sangue quente e comer carne fresca, está condenado a morrer na tundra.”

Masai (Quênia)

"Leões podem correr mais rápido, mas nós podemos correr mais longe."
“Leões podem correr mais rápido, mas nós podemos correr mais longe.”
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...