terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um olhar sobre o Nordeste


Lucy Oliveira

Ao ser convidada para escrever sobre as juventudes do Nordeste, tive um misto de sensações. Primeiro, fiquei muito alegre por perceber que por meio de minhas palavras as vozes de jovens nordestinos seriam ouvidas e lidas em toda parte. Depois, senti o peso da responsabilidade de falar sobre algo tão próximo e ao mesmo tempo tão grande como a juventude do Nordeste.

Por isso, proponho que você mergulhe comigo num “olhar sobre o Nordeste”. Que, por meio dos meus olhos, você veja algumas de nossas cores, de nossa vida, de nossa terra. Porém, será apenas “um olhar”.

Comecemos pensando sobre o que seria o Nordeste. Não só a região territorialmente recortada, mas quem é a gente nordestina, esse povo que dá vida, que dá força, que leva no peito a marca de nascer neste chão de contradições. Depois, o que é ser jovem no meio de tudo isso. Somos uma região com nove estados, todos banhados pelo mar. Talvez este seja o motivo de termos uma forte associação com o sol e a praia. E sol é o que não falta por aqui. É um calorão, do litoral ao sertão. A maior parte do semiárido brasileiro está por aqui, em nossas terras.

Somos também uma região marcada por graves desigualdades sociais, e sei que isso não é novidade. Temos desde grandes latifundiários a agricultores pobres que ganham alguns centavos por quilo de cana que cortam. Outros quebram pedra pra “ganhar um troco” e comem palma e macambira na época da seca -- período que chega a durar até sete meses em algumas regiões.

No entanto, parece que, quanto mais sofrido, mais encantador se torna o nosso povo. Quem viaja pelos sertões percebe uma gente que não desiste, que insiste em driblar a pobreza e luta a cada dia para apenas poder sobreviver.

Há jovens que nem bem “viraram gente” já são adultos no cabo da enxada, “botando a roça”, colhendo feijão ou andando dezenas de quilômetros para conseguir água. Seus desafios não são o vestibular, a namorada, um carro ou a grana para ir ao cinema com os amigos. Eles se preocupam com o que vão comer ou se amanhã vai chover pra se ter o que plantar e o que vender. Uma juventude que precisa ir a São Paulo pra arranjar um trabalho e mandar dinheiro pra casa. Que se não sair da cidade será a cópia da vida sofrida de seus pais.

Lembro-me da história de um jovem que conheci em Alagoas, na cidade de Teotônio Vilela. Ele tem 18 anos e foi medalha de ouro nos 100 metros rasos no Campeonato Estadual de Atletismo das Escolas Públicas. Treinava descalço e, enquanto mostrava as três medalhas conseguidas na competição, me contou sobre como seu sonho de ser um atleta profissional esbarrou em seus sete irmãos. Por ser o mais velho, ele precisa trabalhar para ajudar em casa. O tempo livre que tinha para os treinos foi ocupado pela barraca na feira da cidade. As medalhas que lutou para conseguir agora serão guardadas, como lembrança do passado recente que fica pra trás.

Este é apenas um dos milhares de nordestinos que vivem lutando contra as contradições que marcam nossa terra. Um dos muitos que precisam vencer o estigma de ter nascido numa terra sem muitas oportunidades, um lugar onde poucos têm tanto e muitos têm tão pouco. O Nordeste é uma terra onde, sem sabermos como ou por que, muitos já foram automaticamente fadados ao fracasso, e parece que a cada dia querem nos convencer mais disso. Terra de tanta dureza, mas de tanta riqueza cultural, natural e humana. Terra de tanta beleza em nossa gente e em nossas cidades.

Porém, esta é apenas uma face do Nordeste, que, diferentemente do que muitos pensam, não é feito só de sertão. Temos capitais e nelas muitos jovens em busca de oportunidades. Enquanto alguns lutam para entrar numa faculdade, arranjar um bom emprego e fugir das drogas e da violência, outros, na maioria negros e pobres, perdem a vida nas grotas, favelas e bairros periféricos. Jovens que têm seus sonhos roubados e suas histórias interrompidas pelo crime.

Há também muita gente ralando, saindo da periferia para buscar novas oportunidades. Estudam e trabalham, e muitas vezes têm jornada tripla -- saem de casa às seis da manhã e só chegam às onze da noite -- para conseguir um futuro melhor.

É uma juventude alegre. Temos grandes festas populares, na capital e no interior. Muitos curtem forró, brega, maracatu, axé e reggae, outros são fãs de MPB, jazz e sertanejo. Várias tribos, cores e sabores.

Somos diferentes e ao mesmo tempo iguais. Cada pedaço deste chão tem uma história pra contar, mas sinto, como jovem que nasceu e se criou no Nordeste, que todos nós queremos ser felizes. Assim como tantos outros jovens nordestinos, quero acordar um dia com o sol da justiça brilhando sobre todos, não importa a cor, o sexo ou a religião. Que possamos ser tratados como iguais.

Nossos jovens querem se orgulhar de ser nordestinos sem que isto seja um favor ou motivo de chacota (mangação, como falamos por aqui). Queremos ser respeitados como somos, com nossa capacidade de ação e o amor que trazemos por nosso chão.
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Somos baianos, sergipanos, alagoanos, pernambucanos, paraibanos, potiguares, cearenses, maranhenses e piauienses que sonham com um mundo melhor. E há muito jovem aqui lutando pra que isso aconteça, lutando pela reforma agrária, por um evangelho cidadão, por uma formação universitária de qualidade, por liberdade de expressão.

Acabo percebendo que, apesar de sermos diferentes, somos parecidos com tantos outros jovens pelo Brasil. Aqui enfrentamos a seca; em outros lugares pode ser a enchente, o frio. Aqui nossos jovens querem virar adultos e ser felizes; em outras cidades muitos querem descer do morro, chegar em casa e ir pra faculdade sem medo de uma bala perdida. Aqui queremos ser respeitados como somos; em outras regiões também. Então eu percebo: no fundo, somos todos nordestinos!

Lucy Oliveira, 26 anos, é jornalista e mestranda em sociologia pela Universidade Federal de Alagoas.

Texto publicado originalmente no site da Ultimato. www.ultimato.com.br

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