A cidade mexicana de Tenancingo, no Estado de Tlaxcala, é o principal foco de tráfico de mulheres da América do Norte, segundo o governo dos Estados Unidos. Estima-se que 10% de seus 10 mil habitantes se dediquem ao recrutamento, exploração sexual e venda de mulheres.
É possível encontrar em Tenancingo elementos impensáveis em outros vilarejos mexicanos.
Entre eles, Ferraris e caminhonetes de luxo Lincoln estacionadas nas ruas e em motéis, casas adornadas com torres e vitrais trabalhados - e eventualmente, como dizem os boatos locais, mansões com interiores decorados com ouro.
De Tenancingo saíram as famílias de cafetões mais conhecidas do México. Segundo as Nações Unidas, o local é um ponto crítico para a luta contra a escravidão sexual em todo o continente.
As autoridades locais reconhecem que a cidade tem seu lado obscuro, mas afirmam estar trabalhando para erradicar o problema.
"Há tráfico de pessoas, mas não na dimensão que se pensa", disse o prefeito José Carmen Rojas.
Negócio familiar
Recentemente leis foram aprovadas, tanto em Tlaxcala como em outros Estados do México, para dar penas mais duras aos traficantes de pessoas.
Porém, segundo as autoridades, ainda há um grande obstáculo na perseguição a esses criminosos: muitas famílias locais encaram a exploração sexual como uma atividade "normal".
"O problema se iniciou há 40 ou 50 anos", afirmou à BBC Emilio Muñoz, diretor do Centro Frei Julian Garcés, que atende vítimas de exploração sexual e faz campanha da nova legislação sobre o tema.
"Os traficantes começaram a ganhar dinheiro, o que permitiu a eles apoiar economicamente a comunidade, pagando festas e infraestrutura. Ser traficante se transformou em uma aspiração para os jovens e crianças do povoado. Se transformou em algo cultural", disse.
O tráfico de pessoas se enraizou tanto na cidade que se tornou um negócio tipicamente familiar. A especialidade dos cafetões - ou "padrotes", como são chamados localmente - é conquistar as suas vítimas.
"Soubemos de casos de raptos ocorridos na saída das escolas ou do trabalho e, inclusive, compra de mulheres em comunidades indígenas, mas a técnica mais utilizada é a conquista amorosa", afirmou Emilio Muñoz.
"Os traficantes vão a lugares muito pobres, se apresentam como comerciantes e namoram as mulheres. Prometem a elas uma casa, um bom carro, tudo o que elas nunca poderiam ter. Depois as levam para Tlaxcala, onde as convencem a se prostituir como única alternativa para que a família sobreviva."
Os homens herdam as técnicas de sedução de seus pais. As mães se encarregam de preparar o casamento entre o cafetão e a vítima e de convencer as mulheres de que a prostituição é o único caminho.
Elas também ficam com os filhos das vítimas quando elas são enviadas à Cidade do México ou a alguma grande cidade americana - o que funciona como uma garantia para as mulheres não tentem escapar ou denunciar o esquema.
Reféns
Maria, uma jovem da América Central que não terá a identidade revelada, saiu de seu país com a promessa de trabalhar como garçonete, mas foi vendida de prostíbulo em prostíbulo.
Hoje, ela vive no México em um refúgio para vítimas de exploração sexual e sonha em se tornar jogadora de futebol.
"Alguns clientes te tratam bem e outros não, mas dou graças a Deus que não me aconteceu nada. Algumas colegas acabaram mortas", disse ela.
"Me tiraram todos os documentos e até o número de telefone da minha mãe. Me disseram que teria que trabalhar até pagar minha dívida da viagem que fiz do meu país até aqui. E que não tentasse fugir", afirmou.
Maria foi resgatada de um prostíbulo durante uma operação da autoridade migratória.
"Muitas mulheres exploradas não se reconhecem como vítimas", afirmou a fiscal Irene Herrerías.
"Em outros delitos, as vítimas procuram as autoridades e denunciam, mas elas vivem agarradas aos traficantes ou são ameaçadas por eles", disse.
Machismo
Tenancingo é apenas a face mais visível do dinheiro gerado pelo tráfico de pessoas no México.
Segundo o Centro Frei Julián, as mulheres são recrutadas em ao menos 11 Estados do país e exploradas em outras nove regiões - entre eles Tlaxcala e cidades americanas como Houston, Nova York ou Miami.
Na última segunda-feira, 27 mulheres foram resgatadas no bairro La Merced, no centro da capital mexicana. Lá é possível ver prostitutas e cafetões agindo à luz do dia.
Muitas prostitutas estão nas ruas de maneira voluntária. Outras sofrem exploração de redes que operam em casas escondidas nos becos de La Merced. Em média são obrigadas a ter 40 relações sexuais em um único dia.
Como elas, a cada ano milhares de mulheres caem nessas redes em todo o país, segundo organizações não governamentais do México e dos EUA. Porém, não há estatísticas claras que quantifiquem o tamanho do esquema.
"Há um fator cultural muito determinante", afirmou Felipe De La Torre, coordenador regional de um projeto da ONU contra o tráfico de pessoas.
"Grande parte da sociedade mexicana ainda tem características muito fortes de machismo. Por isso algumas esferas ainda resistem a aceitar que mulheres e vítimas podem ser forçadas a exercer a prostituição", disse o representante da ONU.
Dessa forma, tanto as mulheres que ficam no México como aquelas vendidas como mercadoria sexual em outras partes do mundo vivem a mercê dos cafetões.
Algumas se mantêm temerosas de que algo ocorra aos filhos que tiveram que deixar onde foram recrutadas.
Outras vivem uma segunda condenação: viver com os homens que roubaram suas vidas.
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