terça-feira, 15 de abril de 2008

Compartilhando a Alegria – Ronaldo Lidório

A conversão de Makanda, filho de Mebá, do clã Sanbol dos Konkomba de Gana é um daqueles fatos que marcam nossas vidas.

Revisando o livro Konkombas para uma reedição em breve, tive o privilégio de consultar alguns dos primeiros convertidos entre os Konkomba-Bimonkeln a fim de preparar um capítulo dedicado especificamente a testemunhos pessoais. Fiquei admirado e alegre ao receber relatos tão intensos de pessoas como Mebá, Labuer, Kidiik e Makanda. É a história contada pela ótica de quem a experimentou.

Makanda é um rapaz brilhante e sincero. Após sua conversão foi rapidamente apontado como presbítero pela igreja ainda germinante e pouco a pouco passou a cooperar com o trabalho de saúde que Rossana iniciava. Hoje é um dos mais respeitados líderes Konkombas da região e está a frente da clínica em Koni. A época de sua conversão é setembro de 1995, que ele aqui aponta como "a época do inhame puná, um ano após a grande chuva". A "luz" a que ele se refere no seu testemunho são os primeiros raios da manhã que, na cultura Konkomba, significa esperança, ou seja, um novo dia em que algo bom pode acontecer.

Vale a pena ler seu relato que transmite alegria e aquece a alma.

Ronaldo e Rossana

“Antes de sermos cristãos nós adorávamos um fetiche chamado babasu que se localiza na aldeia de Sibru. Meu pai era feiticeiro grumadii mas eu estava a procura de algo novo.

Nós críamos que ele poderia curar ou ajudar aqueles que se devotavam a ele. Apesar de grumadii ser o fetiche invocado em Koni, em minha mente babasu era merecedor de devoção pois havia ouvido inúmeras histórias sobre seu poder.

Certo dia viajei até Sibru para trabalhar nos campos de inhame do feiticeiro local, e ali permaneci até o dia do sacrifício. Há vários tipos de sacrifícios, mas naquela manhã ele sacrificaria galinhas. Elas eram mortas com uma pancada na cabeça e todos observavam atentamente a forma como cairiam no chão, finalmente imóveis. Se elas caíssem com as pernas para cima significa que o espírito havia rejeitado o sacrifício. Com as pernas para baixo havia sido aceito.

Neste dia o sacrifício foi aceito e o sangue foi derramado, cuidadosa e lentamente, sobre um altar de pedra, uma espécie de mesa de pedra negra. A cor escura, eu cria, era devido ao sangue que ali era derramado constantemente. Após a cerimônia o feiticeiro local deu-me uma castanha como sinal de que o sacrifício havia sido aceito, e conseqüentemente o espírito levaria em consideração meu pedido, que era de proteção da morte e prosperidade.

Quando retornei a Koni continuei a servir babasu participando de sacrifícios e cerimônias e fiz o nome de babasu bem conhecido em nossa aldeia. De certa forma eu seguia os passos de meu pai, que trouxe a adoração a grumadii para aquela região. Também comecei a beber bastante. Lembro-me, inclusive, que estava um pouco bêbado quando o homem branco chegou pela primeira vez em nossa aldeia. Crianças corriam e choravam e todos estávamos curiosos para ver a ‘banana descascada’, como o chamávamos.

Nos meses que se passaram, porém, o homem branco não nos deixou. Víamos que ele sofria por não saber nossa língua e parecia sempre muito cansado. Ele, entretanto, aprendeu nossa língua em alguns meses e certo dia, sentados embaixo de uma castanheira, ele começou a nos falar sobre Uwumbor, um deus antigo e criador, mas que críamos estivesse perdido. Lembro-me de meus questionamentos: se Uwumbor é Deus mais poderoso que os espíritos, porquê não se manifesta como fazem os espíritos ? Por outro lado eu pensava: se Uwumbor for Deus, criador e mais poderoso, talvez seja quem nós procuramos. Era sabido por cada um de nós que grumadii e babasu, entre outros espíritos, não nos amavam. Algo, porém, nos fazia vacilar: como um estrangeiro nos ensinaria sobre o nosso próprio Deus ? Não parecia ser algo para nós.

Os feiticeiros começaram a acusá-lo de ser mentiroso e enganador. Também de perigoso ao utilizar de forma errada nossas histórias antigas. Curiosamente o vice-chefe da aldeia, do clã Binaliib, guardadores de fetiches, protegia o homem branco. O vice-chefe era homem conhecido por sua paciência e sabedoria, enquanto o chefe e seus filhos eram afoitos e guerreiros. A simpatia do vice-chefe nos fez pensar que talvez houvesse alguma verdade em suas palavras.

Certo dia o homem branco viajou e disse que voltaria. Pensávamos que ele não regressaria pois nossa região era muito distante, cortada por muitos riachos e planícies até chegar à terra dos Dabomgas, de onde ele poderia ir para algum outro lugar. Mas ele regressou e trouxe sua esposa, que sorria muito. Pareciam estar gostando do lugar e de nosso povo. Porquê estariam ali ? Pensávamos assim: será que foram expulsos de seu povo e precisam de um lugar para ficar ? Alguns sentiam pena deles, especialmente quando chegava a noite e víamos que não conseguiam dormir muito bem. Sempre diziam que estava quente, mesmo no inverno! Dormiam no pátio da casa do vice-chefe. Lá havia muita gente e não tinha muito espaço mas ninguém mais os queria receber. O vice-chefe, porém, parecia gostar deles. Quando eles falavam nossa língua todos queriam correr para escutá-los. Falavam engraçado e nós ríamos muito.

Um dia eles compraram um cabrito e prepararam alimento para várias pessoas. Convidaram os feiticeiros para o banquete. Todos na aldeia estavam curiosos para saber o que aconteceria. Treze feiticeiros compareceram, inclusive meu pai. A comida parecia boa e todos gostavam da forma como os brancos os alimentavam e lhes serviam água nas cabaças, se aproximando dos anciãos de cócoras e com respeito. Mas ao fim eles pediram permissão para lhes falar que tinham em mãos algo que lhes explicavam exatamente quem era Deus. Um livro que era a história de Deus. Todos ficaram muito encantados e prestamos atenção como este livro nos ensinava como as coisas haviam sido criadas. Algumas coisas eram parecidas com nossas histórias, outras meio diferentes, mas com muitos detalhes.

Ao fim, porém, houve um grande tumulto quando eles falaram que este Deus (Uwumbor), que criou a todos, não estava distante. Estava ali conosco, em Koni, nos observando, e triste porque adorávamos aos espíritos como se fossem Deus. Vários feiticeiros gritaram desafiando-os se Uwumbor era maior que seus espíritos. Alguns foram embora e outros permaneceram ouvindo. Gostávamos dos brancos, mas o que falavam era difícil de ouvir. No fundo acho que todos sabíamos que os espíritos que adorávamos eram maus e maliciosos. Na verdade sabíamos. Talvez nossa reação fosse por temor. E alguns pensaram assim: como estes brancos nos falam sobre nossos espíritos? Temíamos que nossos espíritos estivessem nos observando e que seríamos punidos se não os defendêssemos. Assim alguns gritaram com raiva dos brancos, mas de fato não estavam com raiva. Era apenas para que os espíritos não os punissem. Uwumbor, por outro lado, segundo os brancos, não precisava de defesa. Era algo curioso que me deixou muito pensativo. Fui para a roça sozinho no dia seguinte.

Certo dia alguma coisa em minha mente passou a me dizer que suas palavras eram verdadeiras, e isto me levou a desejar ouvi-lo ainda mais. Alguns falavam em matá-los, especialmente através de algum veneno conhecido. Seria fácil matá-lo pois eles comiam nossa comida e tomavam da nossa água. Moravam, porém, com a família do vice-chefe, que era conhecido como um homem bom e possivelmente não apoiaria o envenenamento. Mas acho que ninguém jamais conversou com o vice-chfe sobre isto. Mas eu não conseguia parar de pensar no que ele falava e fiquei pensando que, se Uwumbor realmente nos criou talvez não esteja tão longe.

Certo dia eu o ouvi pregar no meio da aldeia, enquanto as pessoas passavam, sobre o poder de Deus, o tema favorito do homem branco nos primeiros meses. Já que ele estava vivo mesmo falando tão mal dos espíritos talvez os espíritos não fossem tão fortes assim como pensávamos. Mas naquele dia ele nos falou sobre a salvação em Jesus Cristo e nos explicou a cruz. Foi diferente imaginar este Jesus, filho de Deus, e Deus feito gente, naquela cruz. Porque não fugiu ? Eu ficava pensando. Era a época do inhame puná, um ano após a grande chuva.

Não posso explicar muito bem o que aconteceu nem o momento exato que passei a crer em Deus mas em um certo momento eu vi a luz de Jesus perto de mim, e um sentimento de liberdade tomou conta de mim. Daquele dia em diante eu passei a contar minha experiência com Cristo com uma música.

‘Antes eu não sabia onde estava Jesus,

e eu procurava por caminhos de salvação.

Quando eu vi Jesus eu vi a luz’.

Muitas coisas aconteceram comigo depois, mas algo que ficou marcado era que, de alguma forma, Jesus parecia ser parte do nosso povo. Algo escondido que sempre procurávamos. Quando fui a procura de babasu, no fundo quem eu procurava era Jesus. Quando outros vão atrás de babasu, na verdade procuram é a Jesus.

Daquele dia em diante quando alguém me perguntava sobre Jesus eu alegremente respondia: quando eu vi Jesus, vi a luz.”


E.mail: ronaldo.lidorio@terra.com.br
www.ronaldo.lidorio.com.br

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