domingo, 27 de abril de 2008

Senegal, exemplo da abrangência cultural do Evangelho


Introdução

“Pois a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar”. (Habacuque 2.14). Pensando neste tema começo a imaginar como Cristo viveria nos extremos da terra ou como poderia ir aos extremos da terra. Talvez, para os irmãos que estão no Brasil, os extremos da terra signifiquem olocal onde nós estamos, aqui no Oeste da África, mais especificamente no Senegal. Desta forma imagino Cristo entre os tucouleres, ou entre os uólofes (maior etnia do país) ou ainda entre os mourides (ala islâmica mais radical do Senegal). Como poderia ser?
Sem dúvida, Jesus estaria bem contextualizado aos extremos culturais da terra. E no Senegal, sob um forte calor, ele pararia num local com teto de palha sustentado por estacas, cujas paredes são feitas com tecidos, que aqui chamamos de “restaurante”; sentaria numa esteira para comer num bol (prato grande onde todos comem juntos e, às vezes, com as mãos) um delicioso djebou jem (comida típica feita com arroz, peixe e alguns legumes) feito com o tradicional yaboy (o peixe mais barato, parecendo nossa sardinha, com muitas espinhas). Sim, ele estaria bem contextualizado. E ele está bem contextualizado através daqueles que são enviados para anunciá-lo às nações e aos povos de todas as tribos e línguas.
Quando falamos em ir aos extremos da terra não podemos ignorar os obstáculos existentes, e muito menos as oportunidades (pontes) para a pregação do Evangelho. Isso é o que chamamos de diversidade cultural.

Diversidade cultural
São muitas as variedades culturais, por isso o missionário precisa conhecer a cultura com a qual trabalha, pois na cultura existem obstáculos que tentam impedir a propagação do Evangelho, embora também haja pontes que nos ajudam na evangelização.
Quando chegou a Atenas, Paulo viu uma variedade de altares, cada um com o seu respectivo deus, e num deles estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO (Atos 17.16-31). “...Este que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio”, declarou o apóstolo. Mas, o que Paulo encontrou – uma ponte ou uma barreira? Se uma barreira, ele o transformou numa ponte e a usou para declarar a mensagem do Evangelho. Ele não criticou a cultura ou a vida religiosa do povo. Pelo contrário, disse: “Vejo que em todas as coisas vocês são muito religiosos” (v.22. BLH).

1. Obstáculos culturais á evangelização
A realidade africana mostra alguns obstáculos culturais para a pregação do Evangelho. Vejamos duas delas bem presentes no Senegal.

Crianças que nascem com deficiência mental
Muitas vezes é difícil pregar o Evangelho em algumas culturas porque os traços culturais e a vida religiosa estão de tal maneira enraizados que se constituem transformação das pessoas. Citando um exemplo dessa realidade veja o diálogo de uma missionária com uma jovem senegalesa sobre crianças que nascem com deficiência mental entre uma etnia ao sul do seu país:
- O que acontece com uma criança que nasce com problemas mentais? – pergunta a
missionária.
- A mãe a mata – responde a jovem, sem hesitar.
- Por quê? – quer saber a missionária.
- Se a mãe a deixar viver, quando crescer a criança irá matá-la, porque não tem entendimento – afirma a jovem.
- Como a mãe mata a criança? – insiste a missionária.
- Ela a deixa sozinha em casa e sai para visitar os amigos e parentes, passando todo o dia fora, sem alimentá-la, para que morra logo.
- Mas ela vai deixá-la chorando com fome, sozinha?! – indaga a missionária. – Então ela vai chorar até cansar e dormir – tenta argumentar a missionária para ver o que a jovem responde.
- A mãe regressará somente à noite e seguirá sem dar-lhe comida. No outro dia voltará a sair, até o dia em que regressará e a encontrará morta.
E a jovem continuou explicando à missionária:
- O que estas mães fazem não é bom; o certo seria levá-la de uma vez ao médico para que lhe dê algo para beber e morrer logo. E se viver no campo, onde não há hospitais, algum marabu (chefe religioso) poderá lhe fornecer o veneno.
Para nós isto é diabólico, mas para esse povo é um costume aceito, faz parte da sua cultura. Cristo precisa ser urgentemente anunciado neste contexto!

Festa de iniciação
Todo bassari (etnia do sul do Senegal) do sexo masculino tem obrigação de participar dessa festa. Se ele não participa não é considerado um homem, não é aceito na sociedade, nem consultado para as decisões da família ou do vilarejo e é perseguido. Alguns fazem o ritual sendo já velhos, quando seus filhos desejam fazer a iniciação. Como ele não a fizera, os filhos, se fizerem, se tornarão mais respeitados. Uma semana de festa. Os parentes dançam, comem o enap (comida típica) e bebem o bandi (vinho da região). Enquanto isso os candidatos ficam presos na floresta onde são consagrados nas árvores consideradas sagradas, vindo nos finais das tardes para lutarem com os já iniciados ou dançarem. Na verdade, o que acontece nesse período é um segredo e é tão forte para eles que nem mesmo os que se convertem não revelam os acontecimentos desses dias. Dizem que os espíritos matam os que ousam revelar.
Durante a festa os feiticeiros fazem sacrifícios em plena rua, tudo que se come é sacrificado, buscam-se soluções para os problemas nas árvores sagradas. A festa tem um poder tão grande que nesse período muitos crentes se desviam; para poderem participar da festa quase todos os adolescentes deixam a igreja e só voltam após a iniciação.
Depois dessa semana de festa, acontece algo terrível: eles dizem que agora é hora de mudar de espírito. Então os iniciados são proibidos de falar durante um ano; os parentes e conhecidos são proibidos de lhes contar o que se passou em sua vida até aquela data. Eles ficam completamente hipnotizados e vivem segundo a direção dos outros. Se disserem a um iniciado “sente-se”, ele senta; se ordenarem “não coma”, ele não come.
Um bassari iniciado estava sentado na frente da casa com toda a família quando começou uma forte chuva. Todos correram para dentro. Algum tempo depois sua mãe se lembrou e perguntou por ele. Estava no mesmo lugar, todo molhado, porque ninguém tinha lhe dito para correr e se abrigar. Durante um ano esses jovens ficam com as suas mentes totalmente controladas pelo diabo. Todo pacto e consagração que seus parentes quiserem poderão lhe induzir a fazer. No fim do ano, é feita uma outra festa, para (acreditam eles) colocar o espírito no menino. Então toda a família se reúne e lhe é apresentado a mãe, o pai e os familiares. Esse pacto deve ser renovado a cada três anos e outras cerimônias são feitas ao longo da vida para confirmar a iniciação.
Como ser um cristão entre essa etnia? Podem perceber como um bassari novo convertido luta para servir e seguir a Jesus? Existe um grande trabalho pela frente, um processo de libertação e quebras de pactos. O nosso maior desafio não é somente a quebra desses pactos, mas também desfazer os vínculos, pois a cada cerimônia que eles participam, os pactos são renovados. Nesta luta a consagração a Deus é fundamental e Ele é poderoso para desfazer as amarras do inimigo. Só a oração e o estudo da Palavra (mas aí também há mais uma dificuldade: a maioria é analfabeta) podem transformar essas vidas.

2. Pontes para a pregação do Evangelho
Se existem barreiras à pregação do Evangelho é necessário que se façam pontes para transpô-las. No Senegal temos usado as próprias manifestações culturais como falar do amor de Deus. Veja estes exemplos.

Festa do Tabaski
Esta é a festa mais importante do calendário muçulmano, pois celebra o sacrifício de Abraão e seu filho Ismael. Ela consiste em comprar um carneiro macho e sacrificá-lo por toda a familia, acreditando que isto encobrirá os pecados de todos. Esta é uma grande ponte para a pregação do Evangelho, pois anunciamos “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1.29).
Eu e minha família fomos convidados para irmos à casa de uma familia muçulmana por ocasião dessa festa. É um momento onde as famílias muçulmanas convidam outras pessoas que eles consideram amigos para estarem juntos. A festa é comemorada geralmente no mês de fevereiro. Por ocasião do Natal convidamos a família para estar conosco e pudemos então, de uma forma clara, anunciar o Evangelho do Reino.

Comportamento nas mesquitas
Os muçulmanos entram nas mesquitas de pés descalços e sentam no chão sobre uma esteira ou tapete para orarem e no momento da oração colocam as palmas das mãos para o alto desejando bênção sobre si. Contextualizamos esses gestos no momento de culto em nossa igreja. Nas primeiras reuniões foram utilizados tapetes e as pessoas entravam descalças. Entretanto, com o crescimento da igreja e a conseqüente falta de espaço, fomos obrigados a abandonar essa prática. Mas temos irmãos evangélicos em países islâmicos que oram com as palmas das mãos para cima, semelhante aos muçulmanos. Precisamos da sabedoria, do discernimento do Senhor para utilizarmos aspectos da cultura para a propagação do Evangelho. A mensagem do Evangelho pode ser muito bem contextualizada sem perder sua essência e sua eficácia na vida daqueles que a ouvem.

Aprendizado através de histórias
Pelo fato da maioria não ser alfabetizada e de ser um povo de tradição oral, no Senegal são comuns as histórias e contos tradicionais que são passados de pais para filhos. E o povo absorve bem, ao ponto de darem continuidade às suas práticas culturais e religiosas. Este aspecto é importantíssimo, pois o africano é um povo de histórias e isso constitui-se numa grande ponte para pregarmos o Evangelho. Assim, utilizamos também histórias da Bíblia contadas oralmente e/ou através de fitas cassetes. Este método segue a apresentação cronológica da Bíblia (da Criação até Jesus) e tem sido bem utilizado por muitos aqui na África. Por conta disso temos muitos frutos em nossa igreja.
Observaram quantas pontes? Para quê elas servem? Para atravessar, nao é mesmo? Então, vamos a todos os povos!

3 – Transformados dentro da própria cultura
Deus pode transformar o indivíduo onde ele vive utilizando a vida daqueles que decidiram ir ao encontro do povo perdido – os missionários. Antes de nossa vinda para o campo, Deus nos direcionou para o Senegal de uma forma clara. Não víamos outro país nem outra possibilidade e tínhamos realmente esta convicção do Senhor. Agora, depois de cinco anos no campo, continuamos pensando da mesma maneira: Deus nos guiou a este povo e é gratificante ouvirmos africanos ex-animistas e ex-muçulmanos de várias etnias cantando: “Em Jesus eu encontrei tudo o que nunca esperei, Ele me deu o amor, Ele me deu a paz, alegria...”.
Sim, o povo pode ser transformado pelo poder do Evangelho dentro de sua própria cultura. Uma transformação genuína, profunda, como a de uma senhora exmuçulmana, que fora casada com um chefe religioso como sua primeira esposa (o muçulmano tem direito de se casar com até quatro mulheres). Um amigo da família lhe procurou propondo uma reforma em sua casa, que estava literalmente caindo, mas com essa ajuda ele estava não somente interessado em que ela desistisse de Jesus, como em tê-la como esposa. Diante da proposta que ele fez, ela disse: “O meu Deus vai me ajudar em tudo que preciso, é Ele quem supre minhas necessidades”. Ela não tinha um franco (menor moeda senegalesa) para investir em sua casa, mas rejeitou a proposta, pois sabia que não vinha de Deus. Posso imaginar como foi difícil para ela diante da sua necessidade. Mas ela considerou como esterco a proposta e seguiu firme com Jesus. Depois de quase um ano, Deus levantou irmãos da Espanha para ajudá-la. Ele é fiel!

4 – Indo aos extremos da terra e anunciando Cristo em todas as culturas
O texto de Apocalipse 7.14 nos dá a visão para onde devemos direcionar a mensagem do Evangelho. Temos de ser instrumentos nas mãos de Deus para apresentar diante do Seu trono representantes salvos de todas as tribos, línguas e nações. Isso significa que para tê-los diante do trono de Deus é necessário irmos em direção a cada povo levando a mensagem do Evangelho.
Estava em uma aldeia cuja população é 100% muçulmana e conversava com o seu chefe. Ele disse: “Aqui no Senegal existem vários estados e vocês escolheram o nosso, e em nosso estado há várias aldeias e escolheram a nossa. Deus os guiou para escolher nossa aldeia. Obrigado por ter vindo de tão longe para nos abençoar”. É desta forma que vejo Cristo indo aos extremos da terra.
Para irmos aos povos precisamos sair. Não somente um sair geográfico, mas um sair emocional, sentimental, financeiro... Afirmo que jamais conseguiremos sair, mesmo que tenhamos a visão e os recursos, se não formos capazes de “cortar” as cordas que nos amarram.

Conclusão
O conhecimento cultural não é adquirido no primeiro dia que chegamos ao campo missionário. Existem casos onde passamos anos para conhecer determinado aspecto da cultura. Sabemos que a mensagem do Evangelho é universal, mas devemos levar em consideração a questão cultural e saber como introduzir o Evangelho através das pontes existentes.
Os obstáculos nunca devem nos fazer voltar, desistir, mas eles existem para serem ultrapassados. Devemos, portanto, fazer com que o Evangelho seja introduzido nesses corações. Sim, é possível pregar Cristo aos extremos da terra; é possível viver entre eles, comer o que eles comem, beber o que eles bebem, vestir o que eles vestem.
Conta-se que durante a guerra pela independência da Itália, Garibaldi, o grande patriota italiano, desafiou os seus soldados com palavras que se tornaram conhecidas: “Vou sair de Roma, não ofereço salário, comida, água, mas uma marcha pesada e muita luta. Aquele que me ama de todo o coração e não somente de lábios, siga-me”. Seria a causa desse grande líder italiano mais digna de abnegação por parte de seus soldados do que a causa dAquele que transformou nosso coração?

Autor:
Pr. Jailson Serpa Pereira, missionário das igrejas da CBB através da JMM no Senegal (temporariamente no Brasil)

Sugestão Didática para Apresentação do Estudo

OBJETIVO
· Apresentar a possibilidade de pregar Cristo em todos os contextos culturais, a partir do exemplo da obra missionária no Senegal.
· Ao final todos deverão perceber que a mensagem do Evangelho é capaz de alcançar mo homem e transformá-lo dentro de sua realidade cultural.

RECURSOS DIDÁTICOS
- Quadro e giz;
- Cartaz com a definição de cultura;
- Mapa da África;
- Cartaz ou transparência com a tabela: “Senegal – Obstáculos ou Pontes?”.

DESPERTANDO A ATENÇÃO
- Dirigir uma “explosão de idéias” sobre: “O que é Cultura?”;
- Anotar no quadro de giz as definições construídas;
- Apresentar para o grupo um cartaz com a definição: “Cultura é todo o complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer aptidões adquiridas pelo homem como membro da sociedade” (Taylor, 1871);
- Explicar que Cultura resume o modo de vida de uma sociedade.

APRESENTAÇÃO DO ESTUDO
- Mostrar o Senegal no mapa da África e informar que o missionário Jaílson Serpa Pereira trabalha no Oeste do país;
- Apresentar as peculiaridades da região explicando “restaurante”, “bol”, “djebou jem” e “yaboy”;
- Explicar que a diversidade cultural pode ser traduzida como obstáculo ou como ponte para a obra missionária. Tudo depende de como se vê;
- Contar a seguinte história: “Uma grande fábrica de calçados enviou dois vendedores para um lugar na África. Um deles, ao perceber toda a população descalça, entrou em contato com a fábrica e pediu que a remessa de calçados fosse suspensa, pois ninguém usava calçados. O outro vendedor, ao ver aquela multidão descalça, ficou entusiasmado e solicitou que dobrassem sua primeira remessa de calçados porque o povo não conhecia sapatos. A mesma situação e duas visões diferentes!”;
- Pedir a alguém que leia Atos 17.16-31. Perguntar como Paulo viu aquela situação;
- Ler o v.22 na Bíblia na Linguagem de Hoje. Explicar que Paulo aproveitou toda a religiosidade e apresentou o Deus Desconhecido;
- Utilizar o cartaz ou transparência (retroprojetor) conforme abaixo:
SENEGAL
Obstáculos Pontes
Deficiência Mental Festa do Tabaski
Festa de Iniciação Comportamento nas mesquitas
Aprendizado através de histórias
- Dividir o grupo em dois: um ficará com a parte “Obstáculos” e o outro com “Pontes”; entregar a cada grupo o conteúdo do estudo para que durante alguns minutos conheçam os aspectos culturais do Senegal;
- Dar oportunidade para que os dois grupos apresentem os obstáculos e as pontes para todos.
- Informar sobre as transformações que Deus tem operado no Senegal (testemunho da ex-muçulmana);
- Fazer um período de oração de gratidão pelos resultados no Senegal e pelas pontes usadas através da própria cultura senegalesa;
- Ler em uníssono Apocalipse 7.14.

Colaboração:
Deusirene Santos da Silva Moreira, Igreja Batista Central em São João de Meriti, RJ

www.jmm.org.br



FOTOS do SENEGAL


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...