Dagfinn Høybråten - http://veja.abril.com.br/
Vacinação: países da África se comprometeram a desembolsar 700 milhões de dólares em imunização (Thinkstock)
A situação das mais de 200 meninas sequestradas no norte da Nigéria é um lembrete brutal do quão vulneráveis as crianças da África — particularmente as meninas — podem estar. Mas é igualmente importante reconhecer que esse incidente não é um reflexo real da África moderna, e que os líderes africanos estão fortemente empenhados em proteger as crianças de seus países. A capacidade de eles oferecerem o mesmo tipo de proteção que as crianças de países ricos desfrutam depende de dois ingredientes-chave: parcerias e convicção.
Isso porque, embora o terrorismo seja uma ameaça insidiosa, o maior risco para as crianças da África ainda são as enfermidades, as quais muitas vezes podem ser prevenidas com uma rotina de vacinação. Enquanto o mundo debate sobre a melhor maneira de recuperar as meninas desaparecidas, outra ameaça surge: a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarourecentemente uma emergência sanitária mundial devido ao aumento dos contágios de poliomielite, com vários países africanos representando o risco permanente de exportação da doença.
Felizmente, existem formas imediatas e tangíveis de combater a pólio e uma série de outras doenças que podem ser evitadas com vacinação e que tiram a vida de inocentes na África e em outros lugares. Os líderes africanos reconhecem que a melhor maneira de oferecer proteção a longo prazo às suas crianças é por meio de um programa de imunização de rotina. No início deste mês, líderes africanos, reunidos na capital da Nigéria, Abuja, assinaram a Declaração Imunizar África 2020, comprometendo-se a investir em um futuro saudável e sustentável para todas as crianças em seus países.
Declarações como essa são importantes porque somente por meio do poder das nossas convicções é que podemos realmente produzir mudanças positivas. E a mudança, de fato, está ocorrendo. Desde 2001, houve pelo menos 140 lançamentos de novas vacinas na África, o que foi possível graças à liderança local e apoio da organização que represento, a GAVI Alliance, e seus parceiros: Unicef, OMS, Banco Mundial e Fundação Bill e Melinda Gates. Como resultado desse tipo de trabalho, a cobertura de vacinação na África aumentou drasticamente de 10% em 1980 para 72% em 2012.
Agora, os mais de 50 países da África se comprometeram a destinar, por meio da GAVI e seus parceiros, mais de 700 milhões de dólares entre 2016 e 2020 ao financiamento de vacinas infantis. Isso vai tornar a África o quarto maior investidor na GAVI, atrás apenas do Reino Unido, da Fundação Bill Melinda Gates e da Noruega. Esse tipo de compromisso sinaliza uma mudança na ajuda para o desenvolvimento, que se distancia do modelo tradicional de caridade e se direciona para outro construído por parcerias.
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No entanto, dado que países africanos já gastam bilhões de dólares em serviços de saúde, e que o continente tem muitas outras necessidades, investir em vacinas nem sempre é uma escolha óbvia.
A Noruega esteve em uma situação semelhante em 2003, quando eu, enquanto Ministro da Saúde e Assuntos Sociais, coordenei a campanha para proibir o fumo em locais públicos. Na época, havia uma forte oposição à proibição e eu fui comparado aos piores ditadores do mundo. Mas eu sabia que aquela medida salvaria muitas vidas nos anos seguintes, e estava convencido de que, se não agisse, não estaria realizando o meu trabalho corretamente. E eu não estava sozinho: autoridades da Irlanda concordaram com a minha postura.
Conforme os benefícios aos indivíduos — e à sociedade — se tornaram claros, mais de 100 outros países seguiram o exemplo da Noruega e Irlanda; hoje o número de fumantes na Noruega caiu pela metade; e nove em cada dez pessoas apoiam a proibição. Olhando para os efeitos positivos, essa solução pode parecer óbvia hoje, mas foi preciso um poder de convicção para torná-la visível.
O mesmo se aplica à imunização na África e nos países pobres ao redor do mundo. Os líderes dessas nações já viram o que pode ser conquistado com as vacinas, e enxergam que mais benefícios virão com a imunização nos próximos anos. Na verdade, desde o seu lançamento em 2000, a GAVI já colaborou com a vacinação de 440 milhões de pessoas, ajudando a salvar 6 milhões de vidas.
Mas agora há uma real oportunidade para fazer mais: GAVI Alliance e seus parceiros se preparam para um encontro em Bruxelas nesta semana que tem a finalidade de mapear as necessidades financeiras da organização para os próximos cinco anos. Com o apoio da GAVI, temos ao nosso alcance a chance de dobrar o número de crianças imunizadas até 2020, chegando a quase 1 bilhão de crianças e salvando mais de 5 milhões de vidas.
Os líderes africanos têm demonstrado a sua determinação; mas, ao mesmo tempo em que muitos países doadores ainda lutam para consolidar uma frágil recuperação econômica, também será necessário o empenho e convicção de seus líderes. Nenhum de nós pode fazer isso sozinho, mas por meio de parcerias nós podemos proteger as crianças mais vulneráveis do mundo.
Dagfinn Høybråten é presidente da GAVI Alliance Board, organização que ajuda a melhorar o acesso de crianças à vacinação, e foi Ministro da Saúde e Assuntos Sociais da Noruega entre 1997 e 2000 e de 2001 a 2004.
(Tradução: Roseli Honório)
© Project Syndicate, 2014
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